[OPINIÃO] As oportunidades para os ecossistemas do Brasil na era da “inovabilidade”

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[OPINIÃO] As oportunidades para os ecossistemas do Brasil na era da “inovabilidade”

O século XXI será lembrado não apenas pelos países que souberem preservar, mas por aqueles que inovarem na promoção da sustentabilidade

O século XXI provavelmente será lembrado não apenas pelos países que souberem preservar, mas, sobretudo, por aqueles que criarem inovações para a promoção da sustentabilidade. / Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR


[02.12.2025]
“Territórios que promovem a inovação passam a ter melhores indicadores de desenvolvimento econômico e social e tendem a atrair mais negócios e profissionais qualificados", argumenta o autor Marcus Rocha. / Foto: Caio Cezar (Divulgação)
Por Marcus Rocha, consultor para Habitats de Inovação e autor do livro “Territórios da Inovação” (editora SC Inova)

Em tempos em que o mundo busca respostas urgentes para os desafios ambientais e sociais do século XXI, a palavra “inovabilidade”, fusão conceitual entre inovação e sustentabilidade, ganha contornos cada vez mais estratégicos. Mais do que um conceito, trata-se de uma direção. Inovabilidade é a capacidade de gerar soluções novas que não apenas criem valor econômico, mas que também contribuam para a preservação ambiental e o desenvolvimento social. É a consciência de que inovação, quando dissociada da sustentabilidade, deixa de ser um caminho de futuro. E o Brasil foi palco global dessa reflexão ao longo do mês de novembro, ao sediar em Belém, no coração da Amazônia, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

A COP 30 marca um momento simbólico e prático. Simbólico porque traz o epicentro do debate climático para uma das regiões mais emblemáticas do planeta em termos de biodiversidade e preservação. Prático porque as decisões que emergiram de Belém têm potencial para redefinir os rumos da economia mundial nas próximas décadas. Os principais temas em debate refletem a complexidade dos desafios ambientais atuais: transição energética justa, redução de emissões, proteção das florestas, adaptação às mudanças climáticas, bioeconomia e, sobretudo, financiamento climático para países em desenvolvimento, este último um dos pontos de maior avanço nesta conferência até o momento.

Recentemente, foi anunciada uma conquista expressiva: mais de US$ 5,5 bilhões destinados ao “Fundo Florestas Tropicais para Sempre”, iniciativa que reúne 53 países endossando uma agenda global pela preservação e pelo desenvolvimento sustentável das regiões tropicais. Este fundo representa não apenas uma injeção de recursos, mas também uma sinalização econômica de que o mundo começa, de fato, a reconhecer o valor das florestas vivas.

Entretanto, o financiamento climático não se limita a esse fundo. Há também mecanismos consolidados, como o Fundo Verde para o Clima (GCF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o Banco Mundial, que ampliam suas linhas voltadas à economia verde e à transição energética. Soma-se a isso o avanço de fundos privados e de impacto, venture builders de sustentabilidade, programas de inovação aberta e aceleradoras dedicadas à agenda da responsabilidade ambiental. O cenário atual apresenta a maior disponibilidade de capital da história para o desenvolvimento tecnológico ambiental.

Com tamanha oferta de recursos e o protagonismo do Brasil na pauta ambiental, abre-se uma janela de oportunidade singular para o país impulsionar inovações em tecnologias sustentáveis “Made in Brazil” com foco prioritariamente ambiental. Ou seja, desenvolver soluções inovadoras capazes de responder às demandas ambientais globais de forma competitiva e sustentável.

O PROTAGONISMO BRASILEIRO NAS TECNOLOGIAS SUSTENTÁVEIS

Antes de mais nada é importante lembrar que Sustentabilidade é uma visão estratégica de negócios – portanto, de longo prazo – que se apoia em três dimensões, chamadas “triple bottom line”: econômico-financeira; social; ambiental. O princípio defendido pela Sustentabilidade é que as organizações, especialmente as empresas, precisam ter estratégias que vão além dos resultados financeiros para buscarem longevidade. É necessário também ter estratégias para pessoas – empregados, parceiros, clientes, consumidores, etc. – e também para o meio-ambiente. Mais recentemente, surge uma derivação da Sustentabilidade, expressa na sigla ESG (Environmental, Social and Governance), que tem o mesmo objetivo, mas troca a dimensão econômico-financeira por algo mais abrangente: a Governança. 

O Brasil conta com uma base sólida de Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs) que atuam na fronteira do conhecimento aplicado à sustentabilidade. Por exemplo, a Embrapa é referência internacional em agricultura de baixo carbono, integração lavoura-pecuária-floresta e bioinsumos. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) conduz estudos sobre biodiversidade, biotecnologia e bioeconomia. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, investe em materiais avançados, saneamento e economia circular. O Centro de Pesquisas e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes/Petrobras) lidera pesquisas em biocombustíveis e tecnologias de captura e armazenamento de carbono.

O Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis, no Rio Grande do Norte, desenvolve tecnologias para geração solar e eólica. O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, avança em biotecnologia e nanomateriais sustentáveis. O Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e o escritório brasileiro do Instituto Fraunhofer exploram soluções em reuso de água, resíduos industriais e processos limpos. Universidades como USP, Unicamp, UFRJ, UFSC, UFPA e UFPE participam de redes internacionais dedicadas à transição energética e à descarbonização industrial. Além de todos esses, há muitos outros.

Essa infraestrutura científica consolidada oferece base para a criação de soluções tecnológicas de alto impacto, especialmente quando conectada ao setor empresarial e a empreendedores capazes de transformar ciência em resultado econômico e social. Mas fica o desafio histórico de conectar essas ICTs e Instituições de Ensino e Pesquisa com organizações que transformem essas tecnologias inovadoras em empreendimentos que causem verdadeiro impacto na sociedade e no mercado – principalmente empresas estabelecidas, que precisam inovar para ter maior competitividade.

O AVANÇO EMPRESARIAL NO CAMPO DA SUSTENTABILIDADE/ESG

O ambiente empresarial brasileiro tem demonstrado vitalidade crescente no campo da responsabilidade ambiental e social. A Natura é reconhecida globalmente por integrar cadeias produtivas da sociobiodiversidade amazônica à sua estratégia industrial, utilizando matérias-primas renováveis e embalagens recicláveis. A Suzano investe em biotecnologia e desenvolve fibras vegetais capazes de substituir plásticos de origem fóssil. A Raízen, joint venture entre Shell e Cosan, é uma das líderes mundiais em etanol de segunda geração e bioenergia a partir de resíduos agrícolas.

A Ambipar Group opera em diversos países com soluções para economia circular, gestão de resíduos e descontaminação ambiental. A Solinova e a Pró-Química desenvolvem tecnologias voltadas ao saneamento e tratamento biológico de efluentes. Inovações trazidas pela Moss Earth (plataforma de créditos de carbono), a Piipee (economia de água), a GreenAnt (monitoramento energético inteligente) e a Ecoloop (gestão inteligente de resíduos) exemplificam a força do empreendedorismo nacional na agenda verde.

Isso tudo é apenas uma amostra para confirmar que o Brasil possui competência técnica, criatividade e base científica para ocupar papel de destaque na transição global para uma economia de baixo carbono. No entanto, nota-se que os empreendimentos inovadores nessa área são esporádicos, pois ainda não existem pólos de inovação consistentes especializados nas temáticas da sustentabilidade. Talvez por isso, entre outros fatores, ainda existam poucos empreendimentos brasileiros com protagonismo internacional no desenvolvimento e comercialização de soluções inovadoras para os desafios relacionados à sustentabilidade/ESG. 

O Brasil dispõe de ativos únicos - biodiversidade, matriz energética limpa, base científica e potencial de produção - que podem ser convertidos em vantagens competitivas globais, desde que desenvolvidos com foco internacional desde o início. / Foto: Andres Medina (Unsplash)
O Brasil dispõe de ativos únicos – biodiversidade, matriz energética limpa, base científica e potencial de produção – que podem ser convertidos em vantagens competitivas globais, desde que desenvolvidos com foco internacional desde o início. / Foto: Andres Medina (Unsplash)

INOVABILIDADE PRECISA TER FOCO ECONÔMICO

Como a sustentabilidade não se sustenta apenas pelo discurso ambiental ou social, a verdadeira inovabilidade se concretiza quando o tripé ambiental, social e econômico opera em equilíbrio. É a viabilidade econômico-financeira que assegura a perenidade de qualquer empreendimento, o que não é diferente no caso da inovação, independente se é uma startup, scale up ou qualquer outro tipo de empreendimento inovador. Por isso, além do foco na solução em si, para atender uma demanda específica, a atenção aos fatores financeiros também é indispensável, tanto para quem desenvolve e comercializa essas soluções, quanto para quem as contrata.

Sob a ótica territorial, é necessário observar se o território possui duas condições fundamentais: primeiro, se as vocações econômicas locais permitem atender às necessidades de algum segmento relacionado aos desafios de sustentabilidade de empresas ou da sociedade em geral; segundo, se a base de conhecimento e pesquisa da região – especialmente das ICTs e Instituições de Ensino e Pesquisa – permite o desenvolvimento de inovações para esses desafios.

Havendo essas condições no território, existe a oportunidade para a criação de clusters de negócios e inovação, que é uma estratégia decisiva para o ecossistema local de inovação, uma boa prática ainda pouco adotada no Brasil. Clusters são ambientes territoriais que conectam empresas, universidades, governos e sociedade civil em torno de uma vocação econômica compartilhada. Quando orientados aos desafios da sustentabilidade, permitem o desenvolvimento de soluções que podem aproveitar demandas cada vez maiores em todo o mundo.

O Brasil apresenta amplo espaço para a formação de clusters temáticos em bioeconomia, energias renováveis, gestão de resíduos, economia circular, reflorestamento inteligente, hidrogênio verde, materiais de baixo carbono, entre outros. Esses arranjos territoriais, quando bem estruturados, podem gerar cadeias produtivas sólidas, empregos qualificados e oportunidades de exportação de soluções de alto valor agregado, pelo aumento geral da competitividade das empresas. Ou seja, têm o potencial de criar empreendimentos altamente inovadores, que podem fornecer suas soluções para as demais organizações do território, que também podem melhorar sua posição de competitividade.

No entanto, é importante destacar que a liderança desses clusters deve estar sob a responsabilidade de pessoas empreendedoras, dotadas de visão estratégica e senso de oportunidade. Inovabilidade sem modelo de negócio é utopia; se os empreendimentos desenvolvidos no território não se sustentarem economicamente, tal movimento torna-se vazio e tende a não durar.

A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
E O DESAFIO DOS RESÍDUOS PLÁSTICOS

Ao mesmo tempo em que hospeda a COP 30 e busca liderar o debate sobre a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental, o Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o que impõe o desafio de equilibrar a transição energética e a estabilidade econômica. Porém, devido ao grande tamanho das cadeias produtivas do petróleo, tal movimento deve ser gradual, mas ágil. A substituição das matrizes fósseis deve ocorrer de modo progressivo, com diversificação e inovação tecnológica. Paralelamente, há oportunidade para transformar o uso do petróleo, deslocando sua aplicação para materiais e produtos de maior valor agregado, desenvolvidos sob princípios de sustentabilidade.

Investimentos em biocombustíveis avançados, reciclagem química, hidrogênio verde, biopolímeros e materiais biodegradáveis representam alguns caminhos concretos para essa transição. Nesse contexto, o tema da poluição plástica também desponta como um dos desafios centrais e mais complexos da agenda ambiental contemporânea, pois milhões de toneladas de plásticos são despejadas anualmente em oceanos, rios e solos, afetando ecossistemas e cadeias alimentares. O Brasil está entre os países que mais produzem resíduos plásticos por habitante, mas recicla menos de 2% do volume gerado. A criação de soluções inovadoras para mitigar e prevenir essa poluição é uma necessidade urgente e, ao mesmo tempo, uma oportunidade econômica de larga escala.

Diversas iniciativas nacionais já se destacam nesse campo. A Boomera Ambipar utiliza processos industriais para reincorporar resíduos plásticos complexos na economia circular. A Biocicla desenvolve biopolímeros a partir de resíduos agroindustriais. Pesquisadores da UFRJ e da USP investigam enzimas e microrganismos capazes de acelerar a degradação de polímeros. A B2Blue conecta empresas e recicladores por meio de plataformas digitais de reaproveitamento de materiais. O desafio, no entanto, parece ser a escalabilidade dessas soluções no Brasil e no mundo.

Apesar dos avanços, o desafio da poluição plástica exige articulação em escala sistêmica. Muitas das lições aprendidas na reciclagem das latas de alumínio podem ser aplicadas para os plásticos derivados do petróleo também, pois o Brasil é o país que mais recicla este tipo de material no mundo – mais de 99% das latas produzidas são recicladas. Neste sentido, a integração entre empresas, ICTs, governos e fundos climáticos pode consolidar clusters especializados em economia circular, capazes de atuar desde a coleta e reciclagem até o redesenho de produtos e embalagens. Soluções desse tipo não apenas reduzem o impacto ambiental, mas geram novos negócios, empregos e exportações de tecnologia limpa.

EMPREENDEDORES À FRENTE DOS ECOSSISTEMAS DE INOVAÇÃO

A inovação é, indiscutivelmente, ligada ao empreendedorismo. Portanto, os ecossistemas de inovação precisam ter, cada vez mais, de lideranças com mentalidade e capacidade empreendedora. E isto também se aplica aos clusters de negócios e inovação ligados aos segmentos da sustentabilidade, pois são os empreendedores que possuem as competências para perceber oportunidades concretas na sociedade ou nos mercados para então convertê-las em negócios competitivos e escaláveis. Clusters liderados por empreendedores apresentam maior capacidade de atrair investimentos, gerar empregos e fortalecer cadeias produtivas locais, transformando inovação em vetor de desenvolvimento territorial.

A contribuição das ICTs, das Instituições de Ensino e Pesquisa e das Organizações da Sociedade Civil é indispensável, mas o motor do desenvolvimento sustentável é o empreendedorismo. A aplicação prática do princípio da triple bottom line, equilibrando impactos ambientais, sociais e financeiros, garante que a inovação se mantenha viável no longo prazo. Porém, sem os resultados financeiros, certamente não há recursos suficientes para atender às questões sociais e ambientais. É por isso que é necessário ter mais empresas conectadas diretamente ao movimento dos ecossistemas locais de inovação.

O DEVER DA VISÃO GLOBAL

Os desafios climáticos e ambientais transcendem fronteiras nacionais, e as soluções precisam ter a mesma abrangência. O Brasil dispõe de ativos únicos, tais como biodiversidade, matriz energética limpa, base científica e potencial de produção, que podem ser convertidos em vantagens competitivas globais, desde que desenvolvidos com foco internacional desde o início.

Para aproveitar esta janela única de oportunidades, é necessário fazer um esforço coletivo, principalmente em nível local, nos Municípios, para a articulação dos clusters e dos ecossistemas de inovação. Além do foco no empreendedorismo, deve-se relembrar que o ambiente de negócios atual é altamente globalizado, competitivo e acelerado. Portanto, é necessário relembrar a todo o momento que as soluções desenvolvidas devem ter foco mercadológico além das fronteiras do Brasil. É necessário pensar internacionalmente desde os primeiros momentos, pois a escalabilidade de tecnologias, inclusive as sustentáveis, exige intercâmbio constante: missões empresariais, cooperação científica, participação em feiras internacionais, programas de soft landing, entre tantos outros, são instrumentos essenciais para a internacionalização de soluções.

Portanto, a COP 30 representou um marco histórico ao alinhar o potencial natural brasileiro com sua capacidade tecnológica e inovadora. Cabe às lideranças da temática da inovação, em todos os níveis, mas especialmente nos Municípios, buscarem aproveitar ao máximo esta oportunidade, construindo um movimento de inovabilidade que defina uma estratégia efetiva de desenvolvimento. A soma desses movimentos locais, a partir de uma articulação dos Estados e da Federação, pode criar a articulação entre ciência, empreendedorismo e sustentabilidade para consolidar o país como protagonista global da economia verde.

O século XXI provavelmente será lembrado não apenas pelos países que souberem preservar, mas, sobretudo, por aqueles que criarem inovações para a promoção da sustentabilidade. E o Brasil tem condições plenas de ocupar uma posição de liderança, caso faça a sua “lição de casa” e aplique boas práticas relacionadas à inovação que já estão consolidadas em outros locais do mundo.