O encaixe do produto com o mercado (PMF) sempre foi a pedra angular das startups. Mas as coisas mudaram: o software não está mais comendo o mundo. A IA está comendo o software. / Imagem: ChatGPT/SC Inova.
[01.09.2025]
Por Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli Imóveis e um dos responsáveis pelo Conselho Mudando o Jogo (CMJ) em SC e RS. Escreve sobre inteligência artificial no ambiente corporativo na série “Diários de IA”.
Há momentos na história em que a lógica inteira de como se cria valor muda de forma tão radical que os modelos anteriores simplesmente não servem mais. Foi assim com as ferrovias, com a televisão, com a internet. Agora, é a vez da Inteligência Artificial.
Vamos costurar essas peças.
DO SOFTWARE À IA: A TRANSFORMAÇÃO DO PMF
O Product-Market Fit (PMF) sempre foi a pedra angular das startups. Mas a IA mudou as regras do jogo.
Segundo a Astella, não se trata mais do “o quê” do PMF, mas do “como”: como descobrir, desenvolver e engajar usuários em um mundo onde os clientes esperam interações instantâneas, conversacionais e inteligentes.
Startups que antes buscavam se apoiar em grandes bases de dados legadas agora competem criando “Systems of Action”, sistemas que executam tarefas e decisões antes humanas, conquistando o ponto de controle nos fluxos de trabalho.
Em outras palavras: o software não está mais comendo o mundo. A IA está comendo o software.
ROBLOX, FIGMA E O PODER DE MUDAR A UNIDADE ATÔMICA
Choudary mostra que o segredo do Roblox não está nos gráficos ou na comunidade, mas em mudar a unidade atômica da indústria: do título de jogo para o “bloco de experiência”.
Esse deslocamento reorganizou toda a economia acima dele — monetização, governança, identidade.
O mesmo vale para a IA. O que antes era trabalho de conhecimento humano — caro, linear e difícil de escalar — virou blocos de expertise recombináveis, alugáveis e escaláveis quase a custo marginal zero.
Isso significa que empresas não competem mais apenas pelo que possuem, mas pela capacidade de orquestrar e coordenar esses blocos em novos sistemas e economias.
SUPERNOVAS, SHOOTING STARS E A ECONOMIA DA VELOCIDADE
A Bessemer, em seu relatório State of AI 2025, traz um alerta e uma oportunidade: as startups de IA estão se dividindo em dois arquétipos:
- Supernovas: que explodem em receita (US$ 100M em ARR em 1,5 ano), mas com margens frágeis e retenção incerta.
- Shooting Stars: que crescem mais lentamente, mas com margens brutas saudáveis (~60%) e PMF sólido, tornando-se negócios duradouros.
Se na era SaaS o mantra era T2D3 (triplo-triplo-duplo-duplo-duplo), na era da IA é Q2T3 (quadruple-quadruple-triple-triple-triple).
A velocidade importa mais do que nunca.
MARGEM BRUTA COMO BÚSSOLA
E aqui entra a reflexão de Guilherme Lima, no DealflowBR: a margem bruta é a métrica central da escalabilidade.
Empresas com margens acima de 70% têm poder de precificação e capacidade de investir em crescimento. Negócios de IA com margens comprimidas precisam provar rapidamente que conseguem converter hype em captura de valor.
Esse ponto conecta o PMF com a economia real: não basta crescer rápido. É preciso crescer com margem defensável, seja por rede, dados proprietários ou especialização vertical.
OPENAI POR DENTRO: CULTURA, VELOCIDADE E RISCOS
O depoimento de Calvin French-Owen, ex-OpenAI, revela os bastidores de uma das organizações mais impactantes da década:
- Uma cultura bottom-up, meritocrática e acelerada, onde “o código vence”.
- Uma obsessão por lançar produtos em tempo recorde (o Codex nasceu em 7 semanas).
- Uma tensão constante entre pesquisa, produto e responsabilidade social.
A lição para empreendedores é clara: velocidade sem propósito é fogo de palha. Velocidade com propósito é revolução.
O QUE TUDO ISSO SIGNIFICA PARA VOCÊ, EMPRESÁRIO OU EMPREENDEDOR
Estamos diante de um cenário em que:
- O átomo mudou: do software ao bloco de conhecimento da IA.
- O PMF mudou de natureza: agora é dinâmico, conversacional e orientado por agentes.
- A margem continua soberana: sem ela, não há escala sustentável.
A cultura organizacional é o diferencial invisível: velocidade, coordenação e clareza de propósito determinam quem se mantém.
Se antes falávamos em “ser digital”, agora é hora de pensar em ser AI-native.
Isso significa:
- Identificar qual é a nova unidade atômica do seu setor.
- Orquestrar os blocos de IA para criar sistemas de ação, não apenas sistemas de registro.
- Medir obsessivamente sua margem bruta, não apenas receita.
- Construir uma cultura que una velocidade de execução com propósito e responsabilidade.
Estamos entrando em uma nova economia, em que a inteligência não é apenas um recurso humano, mas um ativo recombinável.
Empresas que entenderem essa mudança cedo não apenas sobreviverão — elas definirão as regras do jogo.
A pergunta que deixo é: qual é o novo átomo da sua indústria — e você está preparado para reconstruir tudo em torno dele?
REFERÊNCIAS
- ASTELLA. Como a IA impacta o PMF. São Paulo: Astella, 2025. Disponível em: https://www.astella.com.br/matrix/como-a-ia-impacta-o-pmf. Acesso em: 31 ago. 2025.
- CHOUDARY, Sangeet Paul. Das ferrovias ao Roblox – Projetando uma economia que prioriza a IA. Platforms Substack, 2025. Disponível em: https://platforms.substack.com/p/from-railroads-to-roblox-designing. Acesso em: 31 ago. 2025.
- BESSEMER VENTURE PARTNERS. O Estado da IA 2025. New York: BVP, 2025. Disponível em: https://www.bvp.com/atlas/the-state-of-ai-2025. Acesso em: 31 ago. 2025.
- FRENCH-OWEN, Calvin. Reflexões sobre OpenAI. 2025. Disponível em: https://calv.info/openai-reflections. Acesso em: 31 ago. 2025.
- LIMA, Guilherme. Sobre Margem Bruta – DealflowBR. 2024. Disponível em: https://dealflowbr.com/2024/03/26/margem-bruta. Acesso em: 31 ago. 2025.
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