Estamos vivendo a segunda onda da tecnologia, centrada na prática clínica, apoiando os profissionais na triagem de exames, interpretação de dados e apoio à tomada de decisão. / Imagem: DALL-E/SC Inova
[02.05.2025]
Por Iomani Engelmann, cofundador da Pixeon
Apesar de todo o entusiasmo em torno da IA na saúde, a realidade dentro da maioria dos consultórios, clínicas e hospitais ainda é bem distante da promessa de total transformação digital. O potencial é inegável, mas o caminho até uma mudança completa é mais complexo do que parece — e exige compreender o que falta para chegarmos lá.
Neste momento, parece correto afirmar que vivemos a segunda onda da aplicação da IA na saúde — considerando que a primeira foi marcada pela digitalização e automação de processos administrativos (como agendamentos online, prontuários eletrônicos e faturamento automatizado), enquanto a segunda está centrada na entrada da IA na prática clínica, apoiando os profissionais na triagem de exames, interpretação de dados e apoio à tomada de decisão.
Ainda que concentradas em instituições privadas e de maior porte, essas aplicações evidenciam um avanço progressivo da IA no suporte clínico e operacional. Globalmente, estudos também reforçam esse cenário. Uma pesquisa publicada na The Lancet Oncology em 2023 demonstrou que a leitura de mamografias com apoio de IA foi tão precisa quanto a leitura dupla realizada por radiologistas, com a vantagem de reduzir significativamente o tempo de análise — um exemplo claro do uso da IA como ferramenta complementar na triagem de exames e priorização de casos, sem substituir o julgamento médico.
Mas a verdadeira disrupção é esperada mesmo para a terceira onda — um momento em que a tecnologia deixará de atuar de forma pontual para se tornar inteligência clínica contínua e integrada. Nessa nova fase, a IA na saúde pode ser capaz de interpretar dados de diversas fontes em tempo real, combinando informações clínicas, comportamentais e contextuais para oferecer recomendações personalizadas e dinâmicas.
Dispositivos como relógios inteligentes, smartphones e sensores vestíveis terão um papel central nesse ecossistema, funcionando como coletores permanentes de sinais de saúde. Isso permitirá que o paciente chegue ao consultório já munido de um histórico estruturado de seu estado físico e emocional recente — algo que, hoje, o médico muitas vezes precisa reconstruir a partir de perguntas subjetivas feitas durante a consulta.
Para que essa realidade se concretize, no entanto, há alguns obstáculos. O primeiro é a fragmentação dos dados. As informações clínicas continuam dispersas em sistemas pouco interoperáveis, o que dificulta a consolidação de um prontuário único e acessível. Sem integração entre laboratórios, hospitais, operadoras e dispositivos pessoais, a IA acaba operando sobre dados isolados, limitando seu potencial preditivo. Além disso, há barreiras regulatórias e éticas importantes – o que, embora faça parte de um processo necessário, desacelera a implementação prática.
Outra dificuldade é o fator humano: muitos profissionais ainda encaram a IA na saúde com desconfiança. O receio de perda de protagonismo, somado à sobrecarga de trabalho e à falta de capacitação específica, dificulta a adoção de soluções mais avançadas. O desafio, portanto, não é apenas tecnológico — é também cultural, estrutural e regulatório.
De todo modo, apesar dessas barreiras, é difícil imaginar um futuro da saúde sem a presença da Inteligência Artificial. À medida que os sistemas se tornam mais interoperáveis, os marcos regulatórios amadurecem e os profissionais se familiarizam com essas ferramentas, a tendência é que a IA na saúde passe a ocupar um papel cada vez mais relevante — não como substituta, mas como aliada estratégica no cuidado com o paciente. A terceira onda pode demorar a se consolidar, mas seu avanço é inevitável.
SIGA NOSSAS REDES