Terceiro mercado do país em oferta de vagas em startups, Florianópolis passa a contar com uma base de operações da Gama Academy, que atua na formação de talentos
É um paradoxo. Enquanto o Brasil ainda passa por um dos períodos de maior desemprego na história recente – em julho, eram 13,3 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, segundo o IBGE – diversas empresas catarinenses sofrem por não encontrar candidatos para preencher as vagas abertas.
Quem passa por esta dificuldade tem algo em comum: são empresas recentes (geralmente com menos de 10 anos de atividade), nasceram em um cenário digital e a maioria é de base tecnológica. E esta demanda não é apenas por profissionais com uma boa experiência e habilidades comprovadas, mas que sejam capazes de entender os desafios de um mercado em expansão, que cresce e exige respostas rápidas para novos problemas, com cargos (customer sucess, analista dev ops, growth hacker, inside sales) e tarefas difíceis de explicar para a família.
Um exemplo é o da Resultados Digitais, que desenvolve um software líder de mercado para automação de marketing. Criada em 2011 por cinco sócios e mais ninguém, a empresa cresceu de maneira exponencial desde então: em seis anos de atividade, conta com 550 colaboradores e pretende dobrar esse número até o final de 2019. “Não vamos achar essas pessoas prontas no mercado. Temos que dar condições, educar”, comentou Anderson Nielson, responsável pela área de Talent Management (Gestão de Pessoas/Talentos) da Resultados Digitais, em evento na Capital que marcou a chegada da startup de educação corporativa Gama Academy a Santa Catarina.
A demanda da RD por um grande número de profissionais qualificados foi um dos motivadores para a Gama Academy a montar uma operação em Florianópolis, que é considerado o terceiro mercado do país em startups, atrás de São Paulo e Belo Horizonte. A empresa atua na formação e na seleção de candidatos para trabalhar em empresas do mercado digital e inicia, no dia 15 de setembro, sua primeira turma em Florianópolis. Foram selecionados 80 profissionais que passarão por um “treinamento intensivo hardcore” (a definição é da Gama) de cinco semanas para evoluir habilidades técnicas e aprender sobre ferramentas essenciais de startups. Após o processo, os participantes participam de uma feira de recrutamento com participação de empresas que buscam candidatos de alto nível.
#2 Gama Experience – São Paulo from Gama Academy on Vimeo.
E qual o perfil de candidatos para esse treinamento hardcore?
O CEO da Gama Academy, Guilherme Junqueira, explica: “quase metade, 46%, dessas vagas abertas em empresas digitais são para desenvolvedores de softwares, os hackers. Já 24% são para hustlers, profissionais que atuam com vendas e customer sucess (atendimento ao cliente). E as fatias menores são voltadas para o que chamamos de hipers, que atuam com marketing, e hipsters (8%), perfil de profissionais de design”. Na avaliação de Junqueira, quase 90% da substituição de trabalhadores nas empresas é resultado de erros de contratação – um erro que custa entre seis e nove meses de salário do colaborador. “O problema não é encontrar os profissionais. É preciso partir para uma base mais profunda: educação e formação”, opina o fundador da Gama Academy.
Nas entrevistas de seleção, Anderson sugere algumas abordagens diferentes das convencionais, para identificar traços de um profissional diferenciado, como a RD busca: “uma coisa que costumamos perguntar para os candidatos é: qual é a grande cagada que tu cometeu na vida? Se não sabe, ou não quer responder, ou não trabalhou muito ou é muito arrogante para reconhecer. Prefiro contratar alguém pelo talento, atitude e alinhamento com os propósitos da empresa do que apenas por experiência”, afirmou. Só neste ano, a Resultados Digitais contratou mais de 200 pessoas e espera fechar o ano com 640 funcionários. Mesmo recebendo 700 currículos por mês, a missão não é fácil, pondera Anderson.
“RH enxuto” ou a reinvenção dos processos de contratação
Mais de 100 pessoas, a maior profissionais de Recursos Humanos de empresas da Grande Florianópolis, lotaram o auditório do Sebrae no encontro promovido pela Gama Academy, no final de agosto, que encerrou com um debate sobre “Lean RH“, ou “RH enxuto”, uma visão da gestão de pessoas inspirada preceitos da “startup enxuta” de Eric Ries: seja simples, experimente, descentralize as funções e ouça seu público-alvo (no caso, o funcionário).
Na visão de Carolina Isoppo, responsável pelo RH da Blueticket, plataforma para compra de ingressos para shows e eventos, o principal desafio é rever os processos de maneira ágil, como resposta a um mercado em constante transformação. “Como falar de perspectiva de crescimento de carreira em um mercado que muda tanto? Não dá pra prometer no longo prazo. É preciso ter conversas corajosas, tentar alinhar os propósitos do colaborador com os da empresa”. A Blueticket fez uma revisão de processos no ano passado, depois de perceber que “a cultura que tínhamos não estava trazendo resultados”, comenta Carolina.
Uma das referências dela foi a Involves, de Florianópolis, que desenvolve em um software para gestão de equipes de trade marketing e eleita em 2016 pela Great Place to Work como a melhor empresa de TI de pequeno porte para trabalhar no país. Desde janeiro, 53 pessoas foram contratadas para compor a equipe que hoje é de cerca de 100 colaboradores. Para manter o “controle de qualidade” dos recém chegados, a equipe de RH faz encontros semanais para identificar os principais desafios e medir o grau de envolvimento (no dialeto interno, o “involvímetro”) das pessoas à cultura da empresa. “Nós fizemos um trabalho colaborativo em que todos colocaram seus próprios valores e, ao final, definimos o conjunto de valores da empresa. Um deles, por exemplo, é a música – e cabe aos próprios colaboradores serem os guardiões dessa cultura”, explicou André Krummenauer, cofundador e responsável pela área de Cultura e Pessoas na Involves.
“Como falar de perspectiva de crescimento de carreira em um mercado que muda tanto? Não dá pra prometer no longo prazo. É preciso ter conversas corajosas, tentar alinhar os propósitos do colaborador com os da empresa“, pondera Carolina Isoppo, RH na Blueticket
Se as empresas mais jovens, nascidas em ambiente digital, sofrem para encontrar candidatos qualificados, como é a realidade de corporações mais tradicionais?
“Somos muito demandados por empresas mais maduras, algumas grandes da área de TI que já desenvolvem inovações mas que tem profissionais mais experientes que estão um pouco fora desse novo modelo de trabalhar. O que fazemos nesses casos é formar o profissional lá dentro. Eles têm o processo de vendas mas precisam entender como funcionam essas metodologias novas, como customer sucess e growth hacking“, detalha Fred Moreira, responsável pela operação da Gama Academy em Florianópolis.
Natural de Porto Alegre, Fred passou os últimos 14 anos na França trabalhando na principal estrutura de desenvolvimento de startups e seed capital da região de Paris – um fundo com recursos públicos gerido pelo setor privado responsável pelo financiamento de 120 startups por ano e aceleração de outras 250, em parceria com o ecossistema local. Quando decidiu com a esposa em voltar para o Brasil, o destino era claro: Florianópolis. “Conheço a região há muito tempo e passei o último ano aqui para conhecer o ecossistema e as empresas. Nossa base será a Capital, os cursos presenciais serão aqui, mas queremos atingir a todas as outras regiões. Estamos acompanhando os outros mercados do estado”, conclui Fred.
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