FuckUp Nights: o sucesso dos encontros criados para compartilhar histórias de fracasso

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FuckUp Nights: o sucesso dos encontros criados para compartilhar histórias de fracasso

Jovens empreendedores, profissionais liberais e estudantes da Grande Florianópolis lotam eventos em que a atração é falar sobre o deu errado no trabalho e na vida

Jovens empreendedores, profissionais liberais e estudantes da Grande Florianópolis lotam eventos em que a atração é falar sobre o deu errado no trabalho e na vida

Spoiler: este texto não contém histórias fabulosas de pessoas que iniciaram um negócio do zero, resistiram às dificuldades, venceram seus desafios e hoje compartilham seu modelo de sucesso em eventos mundo afora.

Pelo contrário.

Nos próximos parágrafos, serão contadas algumas histórias de pessoas que, de fato, iniciaram projetos e sonhos a partir do nada, passaram por diversos dilemas e problemas, mas… faliram, desistiram e agora contam seus cases de fracasso perante dezenas de pessoas no meio de um bar.

É assim que acontecem os Fuck Up Nights, eventos realizados na Grande Florianópolis desde o início de 2016 pela rede de coworkings Impact Hub – e nas últimas edições em conjunto com o Núcleo de Empreendedorismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) –  e que começam a ganhar público cativo. Em geral, jovens empreendedores, estudantes, funcionários de empresas de tecnologia e comunicação, profissionais liberais que trabalham em espaços de trabalho compartilhado, além da rede de amigos dos ‘palestrantes’.

Em cinco eventos, mais de 300 pessoas lotaram diferentes bares em Florianópolis e em Palhoça para ouvir as histórias de gente que se f…, ops, que não prosperou em algum projeto ou empresa mas que hoje tem coragem para compartilhar o seu fuck up a quem está disposto a aprender, especialmente o que não fazer.

No último encontro – que reuniu mais de 90 cabeças espremidas num bar na Capital – quem teve muito a compartilhar foi o ex-estudante de Direito e ex-sócio de agência de marketing digital Gabriel Longo, que exorcizou diante do público, e de algumas canecas de chope, a triste epopeia do período em que vendeu sua empresa e investiu toda a grana (cerca de R$ 150 mil) em uma gigantesca pista de ski e snowboard artificial na ensolarada Florianópolis. “Uma presepada!”, como ele definiu.

“Eu queria gerar impacto nas pessoas mas não sabia como. Depois de passar um tempo nos Estados Unidos, eu tinha criado uma agência de marketing que decolou, ganhei grana mas trabalhava que nem um maluco, fui pai, mas não tinha tempo pra cuidar do meu filho, chegava em casa estressado… Aí desisti dessa rotina, vendi a parte na empresa pro meu sócio e investi num negócio que vi lá nos EUA, uma superfície artificial que tenta imitar a sensação de esquiar na neve. Eram 22 toneladas de aço, 7 metros de altura, um troço que precisava ser desmontado por alpinistas industriais, manutenção cara pra burro… uma presepada!” repetia.

Em resumo: Gabriel, bom vendedor, conseguiu levar o monstrengo de aço para vários shoppings na região, fez um relativo sucesso de público na época (2012) mas os custos eram muito elevados. Depois de transportar a pista para um festival de inverno na cidade de Itá (quase 400km a oeste de Florianópolis), viu que não teria como manter aquele circo itinerante e desistiu de tudo.

O resultado? Vendeu as 22 toneladas de aço para um ferro-velho por R$ 5 mil (3% do que investiu) pegou a grana e foi surfar em El Salvador pra esfriar a cabeça. Mas o fuck up na vida de Gabriel teve um final feliz: graças a um ex-cliente da agência de marketing digital, “que gostava e confiava no meu trabalho”, foi convidado a trabalhar (hoje é gerente) em uma empresa que faz gestão de resíduos eletrônicos em Florianópolis e já reciclou mais de 800 toneladas, que se transformaram em novos computadores para 10 mil ONGs atendidas no país.

Desde 2016, cinco encontros reuniram mais de 300 pessoas em Florianópolis e em Palhoça / Foto: Divulgação

Contra o tabu do fracasso

“As pessoas estão querendo se livrar do tabu do fracasso. E quando elas ouvem isso dos outros isso se torna libertador”, diz Maíra Rodrigues, do Impact Hub e uma das responsáveis pela organização dos Fuck Up Nights. É um evento que, segundo ela, se vende muito fácil “porque uma pessoa vai convidando a outra, não é preciso nem fazer campanha por e-mail marketing. E depois ainda rola networking, novos negócios, as pessoas veem o empreendedorismo como uma coisa real”.

O Fuck Up Nights é um evento global, que começou no México há cinco anos e hoje vende licenças para dezenas de cidades que contam com um ecossistema empreendedor estabelecido – na Grande Florianópolis, em função do grande número de startups e de eventos de estímulo a novos negócios que surgiram nos últimos anos, a ideia pegou forte.

Gui Sarkis, consultor de inovação para empresas, já cansou de contar, em cursos e eventos, os vários fuck ups em que se meteu. Diante de um público ávido por histórias de fracassos, contou como largou o emprego e abriu vários negócios ao mesmo tempo: um coworking, um café e uma escola de inglês. Faliu todos. Depois das primeiras tombadas, refinou algumas ideias e criou um programa chamado Inglês no Vale, para levar brasileiros para aprender não só a língua inglesa mas também a cultura empreendedora no Vale do Silício. Além disso, Gui hoje usa sua experiência em fracassos para trabalhar processos criativos dentro de empresas.

Mas não é preciso, obrigatoriamente, ter falido uma empresa para dividir sua história com o público. Fracassos pessoais também valem, como explicou a publicitária Bruna Pires, sobre como desistiu de seu sonho de se tornar uma blogueira famosa nos tempos em que isso era uma novidade (leia-se, ha 10 anos) para manter o trabalho e os estudos em Florianópolis.

Ela conta: “em 2007 eu era convidada para eventos em São Paulo sobre marketing digital, ganhava convites para camarotes em shows internacionais, tinha uma boa visibilidade aqui no Sul. Me convidaram para escrever em um dos maiores blogs do Brasil sobre comunicação e publicidade, mas eu só tinha tempo pra escrever de madrugada por causa do trabalho pela manhã e as aulas à noite. Eu tinha que ser a primeira a escrever sobre ações de marcas, como os flash mobs que eram febre na época – e durante um ano eu madrugava postando coisas. Aí eu vi que manter tudo ao mesmo tempo não daria certo e abandonei meu sonho inicial. Mas não foi uma decisão ruim – tomei um outro caminho que me fez profissionalmente feliz e retomei meu blog, sem pretensão”. Depois de ter feito campanhas políticas e atuado em agências de grande porte, hoje Bruna é coordenadora de comunicação do Social Good Brasil.

O próximo encontro, ainda sem data definida, deve acontecer em Palhoça, no bairro Pedra Branca, com participação de empreendedores locais. Mas qualquer um pode contar sua história: depois dos depoimentos dos convidados, e algumas rodadas de chope, os participantes têm o microfone à disposição para compartilhar seus fracassos.

“Um fuck up na vida não mata ninguém, todo mundo de alguma forma passa por isso”, estimula Maíra.