“Encorajar para ocupar espaços”: empreendedoras compartilham desafios para aumentar a presença feminina no mercado de TI

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“Encorajar para ocupar espaços”: empreendedoras compartilham desafios para aumentar a presença feminina no mercado de TI

Empreendedoras referência no ambiente da tecnologia contam como superam desafios e inspiram outras mulheres para virar o jogo da equidade.

Neste 8 de março, profissionais que são referência no ambiente tradicionalmente masculino da tecnologia contam como superam desafios e inspiram outras mulheres para virar o jogo da equidade. 

Na foto, reunião do grupo temático Mulheres ACATE. / Crédito: Divulgação


[FLORIANÓPOLIS, 08.03.2023]
Por Fabrício Umpierres – editor / scinova@scinova.com.br  

O mercado de tecnologia é, historicamente, um ambiente masculino. Um desequilíbrio que começa no ambiente escolar, especialmente em cursos de Exatas (Computação, Análise de Sistemas e Engenharias) que tem turmas formadas majoritariamente por alunos homens. Estudo do IBGE publicado em 2021 mostra que somente 20% dos profissionais de TI no Brasil são mulheres. O cenário não é muito melhor nos Estados Unidos, onde a presença feminina no setor corresponde a 25% do total, como divulgado no último censo feito no país (2019).

Mas se o equilíbrio entre gêneros ainda está distante, há cada vez mais vozes femininas influentes atuando para mudar o jogo. Uma delas é a farmacêutica e pós-doutora em Química Betina Zanetti Ramos, que deixou a carreira acadêmica para empreender no mercado de nanotecnologia sustentável. Desde 2009, é CEO da Nanovetores, empresa que desenvolveu uma tecnologia pioneira de encapsulação de ativos orgânicos para produtos de higiene e beleza e que chegou a exportar para 26 países. No ano passado, a empresa vendeu 48% das ações para o grupo suíço Givaudan, líder global no desenvolvimento de sabores, fragrâncias e ingredientes cosméticos. Ela e o marido cofundador Ricardo Henrique Ramos seguem no controle do negócio, com liberdade para inovar. 

Com essa bagagem de cientista, mãe e empreendedora, Betina tem se dedicado também a engajar mais mulheres no cenário de tecnologia liderando o Grupo Temático Mulheres ACATE, um fórum de profissionais e empresárias ligadas à Associação Catarinense de Tecnologia. Entre 2021 e 2022, o número de integrantes ativas do grupo cresceu 50%, mas ela acredita que ainda há muito para avançar. 

“As ações de visibilidade do grupo foram essenciais, mas estamos em um passo anterior, que é trazer mais mulheres para o ambiente de tecnologia. Os entraves são muitos, especialmente pelo fato do setor ser muito masculino, o que desencoraja algumas mulheres a colocar de pé suas empresas, mesmo tendo muitas e boas ideias inovadoras”, comenta.

O grupo se divide em comitês como eventos e visibilidade, negócios, diversidade e oportunidades. Neste último, as participantes fazem mentorias com adolescentes para aproximá-las do setor de tecnologia, mostrando como pode ser uma escolha para cursos técnicos ou superiores.

A empreenededora Betina Zanetti Ramos, do Grupo Mulheres ACATE
A empreendedora Betina Zanetti Ramos, do Grupo Mulheres ACATE: “trabalhamos muito o compartilhamento de experiências entre nós para mudar alguns comportamentos”.

Em comparação à época em que começou a empreender, há 15 anos, Betina comenta ver hoje muito mais founders e lideranças femininas no setor, embora existam travas recorrentes. “É comum”, detalha, “vermos mulheres acharem que não tem o preparo suficiente para criar uma empresa de tecnologia, se exigirem demais, ter uma ‘culpa’ por também ter que cuidar da família. No Grupo de Trabalho, trabalhamos muito o compartilhamento de experiências entre nós para mudar alguns comportamentos. É encorajar para ocupar espaços”. 

Outra evolução notada nos últimos anos são os recursos destinados a editais para estimular o empreendedorismo feminino, como já lançados por Fapesc, Finep e Enap. “Nesse sentido, é uma diferença enorme em relação ao cenário de anos atrás. Esse fomento encoraja as mulheres a terem um apoio financeiro para começar a jornada empreendedora”, comenta Betina. 

NEGÓCIOS E FAMÍLIA: A JORNADA DUPLA EM UM NOVO MERCADO 

A administradora Daniele Amaro largou uma carreira bem sucedida em uma grande corporação para encarar o desafio de empreender em uma startup, ao lado do marido, o cientista da computação Edson Gonçalves. Eles já tinham dois filhos quando tomaram a decisão de construir uma plataforma para otimizar custos com viagens corporativas – e Daniele passou os primeiros se equilibrando entre o emprego que ainda não havia largado, a família e o futuro negócio.

Hoje, seis após a virada de executiva para empreendedora, ela se tornou uma referência no ecossistema de tecnologia como CEO de uma das maiores startups da cena de Blumenau, a Paytrack. Com mais de 180 funcionários, a empresa recebeu em 2021 um aporte de R$ 8,5 milhões de um fundo norte-americano e segue uma jornada de crescimento constante – um desafio perene para os empreendedores.

Daniele Amaro, CEO da Paytrack
Daniele Amaro, CEO da Paytrack: “é preciso colocar diariamente na gestão ações de controle do machismo estrutural, ficar alerta e vigilante na construção do time”.

“Ganhar espaço num cenário predominante masculino somente é complexo se você estiver cercada das pessoas erradas. É preciso colocar diariamente na gestão ações de controle do machismo estrutural, ficar alerta e vigilante na construção do time. Meus desafios não passaram pela questão feminina porque consegui juntar um time forte com valores semelhantes, e dentro disso as mulheres têm uma atuação natural”, enfatiza Daniele.

Ela confessa que “se fez de surda muitas vezes”, como quando ouviu de um mentor que os fundos de investimento não gostam de mulheres. “Aquilo pra mim entrou como combustível para dar meu melhor, não me senti ofendida, e segui em frente. Apenas lamentei que não tenha entendido que as mulheres têm muito que entregar. Minha recomendação é que não deem atenção a opiniões fracas e sem critérios claros, sigam em frente evoluindo e entregando. Contra resultados não há argumentos”.

Também mãe de dois filhos, a empreendedora Carolina Pizolati Farah se define como uma admiradora de pessoas e tecnologia. Fundadora de empresas de RH voltadas ao mercado tech (uma consultoria e uma plataforma de cargos e salários), ela entrou no mundo do algoritmos de maneira natural, mas não sem encarar desafios pessoais. 

“Eu vejo que muitas mulheres escolhem outro tipo de carreira mas em determinado momento têm uma ideia e vão empreender no mercado de tecnologia. É muito difícil porque a gente não acompanha quem já tem formação na área, talvez nem sempre consiga ser uma boa CTO pela questão técnica. Mas todas as mulheres tem uma capacidade de gestão muito grande que ajuda”, reflete.

Carolina Farah, fundadora de empresas de RH para o mercado tech
Carolina Farah, fundadora de empresas de RH para o mercado tech: “Temos desafios porque encaramos outras coisas em relação aos homens, ao mesmo tempo temos capacidade de fazer cada vez melhor”.

Quando estava grávida do segundo filho, encarou pitches e processos seletivos de sua startup Sinsalarial para bancas de empreendedores e investidores e, mesmo sem ter conseguido um investimento, surgiu a oportunidade de fusão do negócio com outra empresa do setor de RHtechs, dando origem à plataforma de recrutamento Plooral.

“A mulher tem que fazer certas escolhas. É possível ser mãe empreendedora? Com certeza, mas é preciso conquistar um espaço de respeito. Ela precisa entender, ser estratégica, conhecer todas as áreas, gestão financeira, comercial, marketing, ter capacidade de liderança. Temos desafios porque encaramos outras coisas em relação aos homens, ao mesmo tempo temos capacidade de fazer cada vez melhor”.

Para Betina, é fundamental que as mulheres interessadas no setor de TI – e especialmente quem já está nele – participem de coletivos. “Eles são importantíssimos porque tem duas entregas: para a comunidade e para a carreira. As mulheres que mergulham nos grupos e são ativas nas ações geram uma sinergia importante para o fortalecimento as causas femininas dentro dos ambientes corporativos. Além disso, como grupo, há outra voz. Ganha-se potencia nas demandas ou mesmo nos desejos de crescimento”.