Da música ao sonho de empreender, um estudo de caso no ecossistema de startups de Santa Catarina

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Da música ao sonho de empreender, um estudo de caso no ecossistema de startups de Santa Catarina

[26.10.2020]

por Paulo Manoel Dias* e Vitor Bruno**

Há quem goste de nadar na tranquilidade e segurança de uma piscina. Há quem prefira desafiar as corredeiras dentro de um caiaque. Segurança versus incerteza, tranquilidade versus desafio. Trabalhar em uma empresa, com a segurança do salário no final do mês, ou empreender diante de muitos obstáculos e quase nenhuma certeza. O que condiciona cada preferência, cada comportamento?

Então nos concentramos na figura do empreendedor. O empreendedor no Brasil é um herói? Um louco? Um pouco de cada? Ou apenas mais alguém em busca da felicidade, da realização de seus sonhos? Esta é então a proposta dessa pesquisa. Buscar melhor entendimento sobre o empreendedorismo, com um olhar direcionado ao seu protagonista, no caso, André Krummenauer, cofundador, juntamente com outros cinco sócios, e atual CEO da empresa Involves

André nasceu em Ibirama, Santa Catarina (SC) em 1987. Estudou no ensino médio no colégio Dom Jaime, em São José (SC). Foi lá que conheceu colegas com os quais primeiramente formou uma banda de rock, e parte desde colegas foi a base de formação da empresa Involves.  Esta característica interessante da formação da banda é muito rica e tem forte relação com a cultura da empresa nos tempos atuais. André Krumenauer, juntamente com Leonardo Coelho e Rodrigo Lamin, formavam a banda Hot Pants, que tocava em casas noturnas e festas, e já era administrada como empresa, com controle sobre faturamento e fluxo de caixa. Uma outra banda de amigos era a Grilo Joe, formada por Guilherme Coan Hobold e Pedro Galloppini. Gabriel Nunes Menezes que não era músico, ajudava na logística. E os seis resolveram se unir, e daquela união surgiu não uma nova banda, mas uma empresa: a Involves. 

André se formou em Administração de Empresas na ESAG (Escola Superior de Administração e Gerência da Universidade do Estado de Santa Catarina) em 2009. E não foi coincidência seu TCC de graduação ser justamente sobre empreendedorismo, com orientação do professor Leandro Costa Schmitz, uma referência na área de inovação: Elaboração de Plano de Negócios para Empreendimento na Área de Sistemas de Informação. Completou sua formação uma Pós-Graduação em Gestão de Negócios na Fundação Dom Cabral. 

Hoje, além sócio fundador e CEO da Involves, liderando 150 pessoas, que eles chamam de “involvidos”, André Krummenauer é embaixador da ACATE Startups, e usa esse espaço para compartilhar sua experiência como empreendedor a quem está começando. A seguir passaremos a discutir as características identificadas no empreendedor sob a ótica das 10 características empreendedoras propostas por Rosa e Napoli (2010). 

André Krummenauer, CEO da Involves: as dez características de um empreendedor

CARACTERÍSTICAS EMPREENDEDORAS

Os empreendedores, conforme Dornelas (2009, p.61) são “pessoas diferenciadas, que possuem uma motivação singular, gostam do que fazem, não se contentam em ser mais um na multidão, querem ser reconhecidas e admiradas, referenciadas e imitadas”.

Há certo mal entendimento da diferença entre empreendedor e empresário. De acordo com Lapolli, Franzoni e Lapolli (2014), a maioria das pessoas entende empreendedorismo como a criação de novas empresas. As mesmas autoras salientam que o conceito de empreendedorismo está mais ligado “ao modelo de ser do que a empreendimentos de qualquer natureza”, sejam estas pessoas sócios de empresas ou colaboradores de organizações (intraempreendedores). Justifica-se, portanto estudar as características pessoais relevantes para o sucesso como empreendedor.

Rosa e Lapolli (2010) na busca de entender quais os fatores individuais de influência no sucesso de um empreendedor propuseram um modelo com 10 características, cada uma delas perceptível a partir da observação de comportamentos.

A entrevista semiestruturada com o empreendedor André Krumenauer fez uso das questões abertas propostas por (SCHMITZ, 2012) sendo que cada uma das 10 questões se relaciona com uma das características empreendedoras. 

1. Estabelecimento de metas: foi possível verificar que André, juntamente com os demais sócios, tem visão de longo prazo, conforme foi possível verificar em vários trechos da entrevista, como por exemplo quando fala do movimento pela internacionalização da Involves:

“Nós temos lá muito forte a questão da globalização e internacionalização da Involves exportação, nós já estamos em 18 países, 10% da nossa receita é de exportação e nosso sonho grande é que a Involves seja parceira daqueles grupos grandes econômicos, e como elas se conectam a 6 ou 7 grupos econômicos, eu quero ser parceiro de trade marketing desses grupos econômicos, nosso sonho grande, isso vai trazer a internacionalização da empresa”. 

2. Planejamento e monitoramento sistemático é uma outra características observada, na gestão da Involves. Essas reuniões apesar de manter um caráter informal, são frequentes e contínuas, conforme destaca o empreendedor:

“Temos nível de gestão bem estabelecidos, nosso papel como fundadores, diretores e empreendedores da empresa, se misturam entre ser os executivos e o conselho da empresa, toda sexta das 9 às 10 a gente tem uma reunião de acompanhamento de resultados”. 

Chamou a atenção a forma colaborativa como o planejamento ocorre, como em um trecho no qual comenta ações realizadas a partir da identificação de problemas no clima organizacional: “E aí nós agimos conversando com muita gente, falando, falando, falando, ouvindo, ouvindo, ouvindo, e devolvendo pro time um plano de ação construído colaborativamente.”.

Uma decisão que tomou em conjunto com os sócios, de descontinuar produtos que eram fontes de receita mas estavam desalinhados com a visão de futuro da empresa também é digna de nota:

“E aí em um determinado momento ali por 2013 a gente encerrou todos esses serviços satélites, que eles eram simplesmente um modelo de sustentação financeira, mas não eram um modelo de estratégia que a gente, que nós almejamos desde o início de nosso negócio”. 

3. A persistência está entre as principais características de um empreendedor de sucesso, já que fracasso faz parte da trajetória. Inicialmente André comentou sobre a admiração que tem por uma tia que teve vários negócios que fracassaram e voltou a se reerguer:

“E mais pra trás ainda na minha vida meus contatos com empreendedorismo foram a minha tia, ela empreendeu na área têxtil, ela era do pólo têxtil de Blumenau, ela montou alguns negócios, faliu, montou outro negócio, faliu de novo, foi sempre um ciclo, eu sempre vendo ela naqueles altos e baixos do empreendedor. Mas eu sempre admirei muito ela pela independência que ela tem dela ser dona do próprio destino”. 

4. Comprometimento se demonstra com a dedicação pessoal para atingir um objetivo, que envolve assumir a responsabilidade pelos seus atos, seja no sucesso ou no fracasso, colaborar com o time mesmo em atividades que não sejam sua atribuição e buscar a satisfação dos clientes no longo prazo.

Eu coloquei na minha cabeça, cara eu preciso fechar um negócio. E aí bem nessa janela de tempo tiveram duas oportunidades, duas empresas de São Paulo, duas agências que eu foquei nelas e, cara eu vou fechar esse negócio. Botei na cabeça mesmo como um objetivo, aí a persuasão no sentido da venda mesmo, de conseguir encantar o cliente de que a gente conseguiria atender aquela dor que ele tinha, aquela demanda que ele tinha”. 

5. O empreendedor não fica à espera e simplesmente delega, quando se tratar de busca de informações. Quando o empreendedor pessoalmente sai a campo para entender o mercado, o circula entre as pessoas na própria empresa para entender o que pensam e sentem, há um rico aprendizado. Em suas falas André demonstrou esta característica com no seguinte trecho no qual precisava levantar informações sobre potenciais clientes para o negócio de desenvolvimento de websites nos primeiros momentos da Involves, momento no qual teve que ir a rua de uma bairro comercial para levantar endereços e contatos de clientes:

Na época não tinha Google Maps nada então tinha que ir para a rua fazer isso. E aí eu escrevi 50 e poucas propostas de venda de site, que a gente fazia site na época também e aí saí distribuindo as propostas e tentando sempre encontrar o decisor, vendo quem era influenciador já colocando em prática as questões da faculdade, aí é o funil de vendas. A gente identificou os leads mais qualificados, os que não tinha um site muito bom, tinha uma oportunidade de vender, depois follow-up pra ver, pra tentar realmente rodar a venda, e no fim das contas lá no final do período a gente não conseguiu vender nenhum site. Mas foi um momento como esse, dependia de mim, eu agi, não deu certo e depois a gente foi fazer outras coisas também que deram certo”.

6. A busca de oportunidades e iniciativa se caracteriza por agir antes de ser obrigado a fazê-lo, buscar expandir o negócio para novos clientes, ou novos mercados, e contempla ainda o monitoramento constante de oportunidades de novos negócios, novas fontes de recursos e possíveis parcerias.

A grande oportunidade da Involves surgiu de uma proposta comercial não aceita pelo cliente no formato original oferecido:

Nós não entendíamos nada do que nós fazemos hoje. E nenhum dos fundadores da Involves veio do trade marketing ou do merchandising que é esse contexto. Então nós aprendemos isso na prática e a oportunidade surgiu de um projeto de software house. Foi o projeto de uma empresa de Criciúma que nos contratou como fábrica de software pra desenvolver uma solução para ela pra que os promotores dela coletassem preços em campo e ela pudesse consumir esses dados em um relatório web. E, enfim, nós fizemos uma proposta nesse modelo de horas-homem nesse projeto para a fábrica de software e a proposta não foi aceita”. 

Diante da recusa do cliente a Involves poderia ter seguido outro caminho. Mas o empreendedor não desiste, avalia a situação e busca gerar outras opções, para capturar a oportunidade identificada:

“Nós vimos que na verdade os clientes dele eram grandes empresas nacionais (…). E entendemos que ali estava nossa oportunidade de negócios. E aí nós voltamos a ele com uma proposta de pagamento de mensalidades, onde o produto fosse nosso, licenciado pra ele, e ele em contrapartida pagaria um valor muito mais abaixo e nos ajudaria inclusive a vender a solução para os clientes dele. Porque os clientes dele tinham ele como agência aqui em Santa Catarina, mas tinha várias outras agências no Brasil, e também tinham mão de obra própria. Promotores mão de obra própria. E aí foi nossa mais acertada escolha estratégica, e de lá em diante a empresa começou a tracionar”.

7. Cumprimentos de prazo e qualidade, no sentido de satisfação com o que é oferecido ao cliente, dentro do tempo adequado é fundamental para o sucesso do negócio. Nas falas do empreendedor foi possível identificar essa preocupação: 

“(…) nós tínhamos acordado com os atores do projeto que a entrega seria naquela sexta-feira e estava contando com aquilo. E aí, até mais pela seriedade com relação a comprimento de entregar de prazo do que até pela importância de entregar naquele prazo, enfim mais pela cultura que pela criticidade, então batemos a mão na mesa e ‘vamos ter que entregar hoje’, e o fornecedor teve que ficar trabalhando também até conseguir entregar e nosso time teve que ficar trabalhando naquela sexta-feira. Eu lembro que era um monte de caixa empilhada que a gente estava de mudança e eu ali validando coisas, em reunião com fornecedor, validando coisas, garantindo que as coisas acontecessem naquele prazo, essa foi uma coisa que marcou bastante”.

Embora André tenha falado mais de uma vez em “encantar o cliente”, deixou claro que é preciso manter a visão de futuro do negócio: 

“Então nós tínhamos ali 5, 10 clientes que nos sustentavam, e nós fazíamos de tudo pra eles. Isso nos fez cometer alguns erros, de desenvolver features que não foram nem usadas, ou que não faziam sentido para a visão de futuro do produto que não era muito clara. Mas ao mesmo tempo muitos acertos também que é fazer um software que resolvia o que os caras precisavam”.

8. Quem tem forte aversão ao risco deveria pensar bem antes de empreender. Correr riscos calculados faz parte da vida do empreendedor. Quais riscos correr, como avaliar a intensidade dos riscos, e quais alternativas para reduzir a probabilidade e o impacto dos riscos são diferenciais para o sucesso como empreendedor. No início da Involves André e os demais fundadores arriscaram empreender ao invés de seguir por um caminho mais tranquilo de trabalhar como empregados ou trainees: 

Enquanto os meus colegas estavam participando de processo de trainee de grandes empresas, e garantindo um bom salário, uma carreira já promissora, eu ali arriscando, mas era o momento de arriscar. Então eu acho que o entendimento certo sobre ‘esse é realmente o momento, agora que a gente tem que tentar’ foi crucial para isso”.

9. Outra característica do empreendedor é ter persuasão e rede de contatos que ajude a alavancar seus projetos. Ao falar sobre persuasão, inicialmente André demonstrou certo desconforto com o termo: “Acho que muito por ter a questão da sensibilidade mais aflorada, de pensar no outro, então persuadir é uma palavra que é um pouco forte para mim”.

Mas depois refletir André continua seu relato, ficando claro que o convencimento quanto às suas ideias e objetivos também está presente na trajetória do empreendedor.

Mas a venda é um pouco de persuasão, né. E o que mais me marcou foi o momento em que eu tinha terminado o namoro, e eu tava muito focado aqui no negócio, o negócio não tava acontecendo da forma como a gente gostaria, eu tô falando de 2012, quatro anos depois de ter começado a empresa, a gente ainda não tinha tracionado bem o negócio. Eu eu coloquei na minha cabeça, cara eu preciso fechar um negócio. E aí bem nessa janela de tempo tiveram duas oportunidades, duas empresas de São Paulo, duas agências que eu foquei nelas e, cara eu vou fechar esse negócio (…). E eu tô falando de um projeto que na ocasião era com uma agência (…) e com o gestor da (…). Por muitos anos foi um projeto que nós tocamos aqui”.

Na fala acima foi possível perceber que o empreendedor converteu uma frustração pessoal – término do namoro – em uma maior dedicação ao trabalho, portanto o trecho acima também se relaciona com comprometimento. 

10. A última, mas nem por isso menos importante, característica avaliada foi independência e autoconfiança. Essa característica se expressa através da autonomia, firmeza diante de resultados desanimadores e capacidade de realização. Em trechos já citados acima esta característica foi identificada no empreendedor analisado, que ele iniciou cedo a desenvolver cedo, após o divórcio dos pais: “Desde cedo eu tive que aprender um pouco a me virar e fazer coisas como, sei lá, trocar um chuveiro (…) enfim tinha que ser o homem da casa”. 

A habilidade como músico também foi conquistada de forma independente, pois André nunca estudou para tocar violão. “Outra coisa que eu fiz por mim, aprendi a tocar violão sozinho, fui autodidata. É uma paixão, é um hobbie para mim que até desencadeou pelo networking a empresa, mas foi um mérito meu de realmente fazer as coisas acontecerem por conta própria”. 

E a autoconfiança no empreendedor motiva o time, enquanto a falta dela pode também contagiar toda a organização. André, agora como CEO, tem o papel de manter sua autoconfiança para que os demais sintam-se seguros quanto ao futuro da empresa:

(…) aí eu vi um pouco da crença do negócio sendo colocado em jogo também aí eu entendi até a importância da direção da empresa no sentido de dizendo no sentido de dando o caminho que vai tudo dar certo, e ajudando a todo olhar para o mesmo caminho. Eu até usei a frase de um autor que eu gosto muito, Andrew Grove, ele foi CEO da Intel ele é autor de clássicos do Vale do Silício ele fala que “deixe o caos reinar e depois reine sobre o caos” e a gente vê muito disso numa startup,a gente já teve vários momentos de caos onde as coisas ficam bagunçadas, mas aí precisa acho da figura do founder nessa etapa olhando para aquilo e falando vai dar tudo certo, eu acredito que vai dar tudo certo, e um pouco de gestão organizando as coisas, ouvir muito as pessoas e trazer as coisas pro eixo de novo”.

AUTORES:


Paulo Dias: Aprendiz perpétuo e nas horas não vagas instrutor e professor de cursos de curta duração, graduação e pós-graduação na área de gestão, incluindo os temas criatividade, inovação e gestão de processos. Mantém desde 2010 o blog http://ferramentasparainovar.blogspot.com/


Vitor Bruno: engenheiro, professor, coordenador pedagógico e fundador da Milestone, é diretor do Startup Grind Florianópolis, Mentor de Startup Weekends e Hackathons. Especializando em Tecnologias Educacionais e Candidato ao Mestrado em Engenharia e Gestão do Conhecimento  https://br.linkedin.com/in/vitorbruno

REFERÊNCIAS

Arnaut, P. G., & Picchiai, D. (2016). Competências empreendedoras: modelos mentais como fatores determinantes de seu desenvolvimento. Revista Científica Hermes, n. 16, 197-222.

Bueno, J. P., & Lapolli, É. M. (2001). Empreendedorismo tecnológico na educação: vivências empreendedoras. Florianópolis: Escola de Novos Empreendedores.

Dornelas, J. C. (2009). Empreendedorismo Corporativo. Rio de Janeiro: Campus.

Lapolli, J., Franzoni, A., & Lapolli, É. M. (2014). Formação Empreendedora. Em Ações Empreendedoras. Florianópolis: Pandion.

Rosa, S. B., & Lapolli, E. M. (2010). Santa Catarina: um estado que é uma vitrine de talentos. Florianópolis: Pandion.

SCHMITZ, A. F. (2012). Competências Empreendedoras: os defafios dos gestores de instituições de ensino superior como agenter de mudança. Tese (Doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).