O incomparável poder de disseminação de informações gerado pela internet mostra que, mesmo sem intenção, um fato corriqueiro pode trazer resultados de impacto. Como a famosa restauração (imagem) que, após 10 anos, transformou o turismo em uma cidade.
[26.08.2022]
Por Alexandre Adoglio, CMO na Sonica e Diretor no grupo Marketing&Vendas/ACATE Startups.
Escreve quinzenalmente sobre Cultura Digital para o SC Inova.
Era um ensolarado dia de julho de 2012, na cidade de Borja, província de Zaragoza, nordeste da Espanha. Uma encantadora senhora de 80 anos adentra a Igreja Santuário da Misericórdia munida com apetrechos de limpeza, tina a óleo e pincel. Durante toda a sua vida, a adoradora idosa foi inspirada pelo afresco de Jesus com sua coroa de espinhos. Então, quando o retrato de gesso começou a desmoronar devido à umidade, a mulher decidiu não ficar de braços cruzados.
Sem consultar as autoridades da Igreja, ela começou a trabalhar em seu próprio projeto de restauração particular. Após algumas semanas os paroquianos católicos da cidade esperavam o retorno da pintura centenária restaurada de Jesus Cristo como em seus tempos de beleza e glória. Em vez disso, a pintura foi devolvida à igreja desfigurada.
O fato, que poderia passar despercebido por ser tão isolado, gerou um buzz mundial quando imagens do antes e depois da obra proliferaram pelos sites de notícia e redes sociais. Durante algum tempo a história continuava gerando incontáveis comentários e memes, exibida inclusive em muitas retrospectivas daquele ano.
Mas agora, 10 anos depois do triste ocorrido, a pacata cidade volta a ser notícia, dessa vez surgindo como polo turístico. De 6.000 visitantes anuais que a cidade recebia naquele fatídico ano, passou a receber 300.000 em 2019, multidão que se aglomera diariamente na pequena igreja para ver de perto a obra destruída, que agora contém espaço instagramável para turistas do mundo inteiro.
Resultado do incomparável poder de disseminação de informações gerado pela internet, o caso não é único e mostra que, mesmo de forma não intencional, um fato corriqueiro pode trazer resultados de impactos, bons ou nem tanto.
GRAFITE PENDURADO ROUBADO
Banksy é reconhecido mundialmente com um grande artista de rua, montando suas obras em locais públicos para serem apreciadas de modo efêmero, podendo ser removidas, apagas ou mesmo escondidas por uma segunda camada de pintura. O proprietário de um prédio em Lowestoft, Suffolk, no Reino Unido, percebeu por acaso que tinha uma grande oportunidade em mãos, quando postagens mostrando uma parede do seu imóvel fora selecionada pelo famoso artista para suporte de sua nova obra, “Great British Spraycation”, constituída por um mural com uma grafite de uma criança com um pé-de-cabra atrás de um castelo de areia.
Sem dúvidas do seu valor, o dono do prédio arrancou a parede inteira e levou para local deconhecido, deixando os moradores não muito felizes com a remoção da valiosa obra de arte, uma das 10 Banksy criadas nas cidades costeiras de Norfolk e Suffolk, relata o Metro. A pintura em estêncil preto e branco foi originalmente instalada com as lajes de pavimentação na frente arrancadas do chão e um castelo de areia construído em sua base.
Antes de Banksy agraciar a antiga loja elétrica com sua arte, ela estava à venda por £ 300.000 ($ 403.000). Depois que o artista reivindicou o trabalho, os proprietários aumentaram a lista para £ 500.000 (US $ 672.000) – o exemplo mais recente de sua arte elevando os valores da propriedade. O fato também foi captado via redes sociais e causou consternação na comunidade artística.
A FORÇA DO ENGAJAMENTO
Mas não só no meio artístico a internet prova seu valor de impacto e tração. Em 2018, um grupo de garotos ficou preso em uma caverna da Tailândia após uma forte precipitação de chuvas prenunciando o início do período das monções. Assim que o temporal começou a família partiu em busca dos meninos, verificando em seguida que a entrada do local ficou rapidamente interditada pela água. Em busca de ajuda acionaram o governo e em uma sucessão de posts no Facebook começaram a narrar o acontecido clamando por ajuda, utilizando as páginas oficiais do estado e também seus perfis pessoais.
A notícia se propagou em poucas horas e promoveu um engajamento jamais visto na história dos resgates, tendo segundo cálculos mobilizado mais de 100.000 pessoas em todo o mundo, que auxiliaram com remessa de dinheiro, mantimentos, equipamentos e até pessoas que se deslocaram de países distantes para dar suporte a ação. Os primeiros estrangeiros a se somar às operações de resgate chegaram em 28 de junho. Eram especialistas da Aeronáutica americana e mergulhadores de cavernas do Reino Unido, Bélgica, Austrália, países escandinavos e muitos outros. Alguns eram voluntários, e outros foram chamados por autoridades tailandesas. Mais pessoas se incorporaram ao esforço quando ficou claro que o trabalho de buscas seria monumental.
Por fim, ao final de alguns dias os garotos foram retirados juntos com seu treinador, gerando alívio e comoção na população engajada online, final feliz que pode ser revisitado no filme recém lançado, 13 vidas – O Resgate.
PRIMAVERA ONLINE ÁRABE
Case de estudo em marketing digital de muitas faculdades, o impacto das mídias sociais na Primavera Árabe ainda é motivo de espanto, revelando o verdadeiro poder e as potenciais implicações das mídias sociais. Até aquele momento, as redes sociais eram utilizadas apenas para compartilhar fotos com amigos e familiares, mas o jogo mudou de forma rápida e violenta. Pesquisadores da Universidade de Washington examinaram mais de três milhões de tweets, gigabytes de conteúdo do YouTube e milhares de postagens em blogs e descobriram que a mídia social desempenhou um papel central na formação de debates políticos na Primavera Árabe.
Tudo começou em dezembro de 2010 na Tunísia, com a derrubada do ditador Zine El Abidini Ben Ali. Em seguida, a onda de protestos se arrastou para outros países, como Tunísia: Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã. Os levantes na Tunísia, também denominados por Revolução de Jasmin, ocorreram em virtude do descontentamento da população com o regime ditatorial, iniciado no final de 2010 e encerrou-se em 14 de Janeiro de 2011 com a queda de Ben Ali, após 24 anos no poder.
O estopim que marcou o início dessa revolução foi o episódio envolvendo o jovem Mohamed Bouazizi, que vivia com sua família através da venda de frutas e que teve os seus produtos confiscados pela polícia por se recusar a pagar propina. Extremamente revoltado com essa situação, Bouazizi ateou fogo em seu próprio corpo, marcando um evento que abalou a população de todo o país e que fomentou a concretização da revolta popular.”
As evidências sugerem que as mídias sociais carregavam uma cascata de mensagens sobre liberdade e democracia no norte da África e no Oriente Médio, e ajudaram a aumentar as expectativas para o sucesso da revolta política. As pessoas que compartilhavam o interesse pela democracia construíram extensas redes sociais e organizaram a ação política. A mídia social se tornou uma parte crítica do kit de ferramentas para maior liberdade.
Atualmente temos em mão poder similar, com implicações profundas em nossa forma de interagir com o mundo ao nosso redor. O caminho para uso e consumo da informação online é sempre o de experimentação e conferência de veracidade, mas nunca de tolhimento e censura como vivemos atualmente em alguns países do mundo.
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