Evento que ensina metodologia para criar negócios escaláveis ajudou a estimular o cenário empreendedor na ‘capital industrial’ de Santa Catarina / Foto: Max Schwoelk
Fabrício Rodrigues / Agência SC Inova
A maior cidade de Santa Catarina sempre foi reconhecida pela pujança industrial, berço de empresas que dominam mercados internacionais em áreas como metalurgia e maquinário – um cenário que durante anos manteve Joinville, uma cidade de médio porte, com 577 mil habitantes (IBGE, 2017), entre as 30 maiores economias do país. Mas no ambiente das empresas de tecnologia, a Manchester catarinense ainda corria distante de outros polos que começavam a despontar como celeiros das novas e disruptivas startups que surgiam com soluções inovadoras e potencial de crescimento escalável.
Este cenário começou a mudar nos últimos anos em função de uma articulação entre empreendedores, com apoio de entidades privadas e uma nova visão do poder público sobre como Joinville deveria planejar sua matriz econômica no futuro. Entre as várias iniciativas que começaram a surgir para estimular a criação de novos negócios, uma se destaca: a realização constante do Startup Weekend na cidade a partir de 2016. O evento que tem como objetivo ensinar na prática, em 54 horas, uma metodologia para empreender negócios inovadores e com potencial de escala, acontece duas vezes por ano e será realizado pela quinta vez na cidade a partir do dia 13 de abril. Percorrendo alguns dos principais espaços do ecossistema local (ACIJ, Perini Business Park, Udesc, Senai e agora a Univille), o Startup Weekend se consolidou na cidade ao reunir os fundadores das primeiras startups da cidade, investidores e outros empreendedores, que prestam mentoria e avaliam as equipes que vão propor novos produtos e serviços inovadores ao longo de um final de semana.
Mas há pouco mais de cinco anos, lembra Piero Contezini, empreendedor serial e atual CEO da fintech Asaas, não havia mais do que “um grupo de umas 20 pessoas que se encontrava de vez em quando para tomar um chope e trocar ideias e experiências”. Alguns destes personagens, anos depois, se tornariam os responsáveis pelas maiores startups de Joinville (como a ContaAzul, Meus Pedidos e Asaas), mas naquele momento eram apenas jovens empreendedores em busca de apoio mútuo e investidores dispostos a apostar em novos negócios. “Trouxemos investidores anjo de São Paulo para falar como era o processo e conhecer o pessoal da cidade. Naquele período era muito difícil conseguir levantar algum recurso”, comenta Piero.
Aquelas startups conseguiram se desenvolver ao longo dos anos seguintes, mas a dedicação que os negócios em expansão exigiam praticamente tirou os empreendedores da rotina de encontros. “O que aconteceu é que as empresas começaram a ganhar tração naquele período e nós não conseguíamos fomentar novas conexões sozinhos. Não havia um senso de comunidade – a gente se reunia por afinidade mas não havia mais ninguém para dar sequência”, opina Tiago Brandes, fundador e CEO da Meus Pedidos, fundada em 2010 com o objetivo de tirar os representantes comerciais da era do papel com uma solução de digitalização das rotinas e pedidos. Hoje a empresa conta com 90 colaboradores e fechou 2017 com um faturamento de R$ 10 milhões.
Coincidentemente, as startups pioneiras de Joinville viveram um período de rápida ascensão entre os anos de 2013 e 2016, recebendo investimentos de fundos de venture capital (como Qualcomm, Monashees e CVentures Primus) e se destacando no cenário nacional, especialmente a ContaAzul, selecionada pela aceleradora norte-americana 500 Startups e que tinha crescido 230% em 2015.
O vácuo de encontros entre empreendedores na cidade começou a ser preenchido a partir da primeira edição do Startup Weekend, em fevereiro de 2016. Realizado na sede da Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ), a maratona reuniu 120 empreendedores e 14 mentores – alguns deles os primeiros desbravadores do cenário de tecnologia do começo da década. “O movimento do Startup Weekend foi a chama para surgir de fato um ecossistema. A partir desse evento, e outros que surgiram a partir disso, várias outras pessoas que não se conheciam, mas tinham um interesse em comum passaram a se encontrar e movimentar a cidade”, comenta Tiago, que atuou como mentor convidado na primeira edição do evento.
Remanescente daquele grupo que se reunia informalmente em bares e faculdades locais, Gilles de Paula, fundador da Treasy, afirma que a nova geração de empreendedores está muito mais madura em função da “aceleração” que ocorre ao longo dos Startup Weekends, que já envolveu cerca de 600 pessoas nas quatro edições realizadas entre 2016 e 2017. “Há alguns anos, termos como MVP, metodologias ágeis, desenvolvimento do cliente eram completamente desconhecidos. Hoje as pessoas estão mais preparadas porque entenderam que o principal objetivo do Startup Weekend não é fazer uma empresa, mas aprender a metodologia para fazer uma empresa da maneira correta“, resume.
“O que eu precisei aprender sobre conceitos de startups lendo mais de 20 livros é possível vivenciar na prática, embora sem a mesma profundidade, ao longo daquelas 54 horas. Quem consegue focar na metodologia consegue poupar muitos anos ao desenvolver o negócio. E já vejo isso nas novas startups que vem surgindo”, aponta Gilles.
Na opinião de Piero Contezini, da Asaas, um dos legados que o Startup Weekend deixou para os participantes foi a de que “não era preciso ter muito dinheiro para montar um negócio. Havia essa mentalidade antes na cidade, mas o importante hoje é montar um produto bom e que tenha mercado. Dá pra começar com pouca grana”, resume. Criada em 2013, a Asaas já captou desde então um total de R$ 7 milhões em investimento anjo e rodadas de venture capital. “Hoje há uma rede com mais de 100 anjos atuando aqui na região. Se o empreendedor fizer um bom pitch, consegue levantar um investimento inicial de R$ 100 mil a R$ 200 mil com muito mais facilidade do que no passado”, argumenta.
Startup Weekend ajuda a “reinventar” a Softville
Para quem acompanha de perto este novo mercado na cidade, muita coisa mudou em pouco tempo. “O ecossistema evoluiu uns 2000% em cinco anos”, comenta Gilles, que criou a Treasy em 2013, sediada hoje na incubadora Softville, ao lado de outras 20 empresas nascentes. Toda semana, ele bate ponto nos encontros que acontecem religiosamente às quartas-feiras, com grupos temáticos das startups (pessoal de marketing, CEOs, CTOs etc) debatendo desafios comuns e oportunidades. “Não tem nada marcado, mas toda quarta, a partir das 18h30, 19h o pessoal chega, toma uma cerveja e começa a conversar e pensar coisas juntos”.
Este engajamento, diz Gilles, se deve muito porque as ações que começaram a ser feitas na cidade – e também na Softville – tinham como foco resultados práticos: gerar conexões e trazer temas próximos da realidade de quem está empreendendo: “no passado havia iniciativas maiores mas que eram desconexas, não integravam nem traziam pessoas de fora”.
“Durante um período, a Softville não estava aderente a este novo modelo empreendedor que estava surgindo”, comenta o presidente Dionei Domingos. “Mas uma das ferramentas que utilizamos para nos repensar enquanto entidade foi justamente o Startup Weekend. Foi bom para o ecossistema e também para nós”. O caminho para se reinventar como incubadora e propulsora de novos negócios passou por uma imersão em outros polos de tecnologia, visitas a universidades, contatos com Associações Comerciais e Industriais e, claro, colocar a equipe para ser “maratonista” no Startup Weekend – inclusive o presidente.
“Nós vínhamos com uma visão mais convencional de incubadora, oferecendo consultorias financeiras, de mercado, RH mas o roteiro se inverteu quando mergulhamos de cabeça nessa pegada do Startup Weekend. Entendemos que, antes de tudo, você tem que se apaixonar pelo problema que você pode resolver, não apenas pelo serviço que você oferece”, ressalta Dionei.
Com isso, a Softville – que iniciou as atividades em 1995 e já graduou 73 empresas – se abriu para o mercado e, nas palavras do próprio presidente, “tivemos a humildade de reconhecer que estávamos atrasados e que era preciso recuperar um espaço que por certo deveria ser nosso. Fomos aprender com os empreendedores de sucesso da cidade, que se tornaram nossos mentores”.
Desta nova visão surgiu uma linha de trabalho, conduzida pelo empreendedor serial Marcio Jacson, que atua como CEO da startup TiFlux e Head técnico na Softville onde, capitaneou o Joinville Startups, trazendo um programa de capacitação nos moldes do Startup SC, um importante impulso às empresas nascentes e à comunidade que estava “aquecida” com as constantes realizações do Startup Weekend na cidade. Outro programa que começou a ser desenvolvido no período é o Colisões, um workshop prático para auxiliar na criação de startups.
Foi depois de participar de uma edição do Startup Weekend em Florianópolis, no início de 2015, que Marcio Jacson decidiu levar o evento para Joinville. Ele recorda: “Conhecer a metodologia e ter participado dessa imersão foi muito impactante para mim. Eu montei minha primeira empresa aos 19 anos, quando não tinha nada parecido com essa estrutura de fomento e apoio, a participação de mentores e um método para criar startups”. Em novembro daquele ano, após contatos com o gestor do programa Startup SC , do Sebrae/SC, e um dos organizadores do Startup Weekend em Santa Catarina, Alexandre Souza, foi dada a largada para a primeira edição do SW em Joinville. Com o Sebrae como um dos patrocinadores – e principal fomentador dentro da comunidade empreendedora do estado – Marcio Jacson começou a montar o time que organizaria o evento junto com Jorge Henrique Weigmann, com quem tinha participado do Startup Weekend em Florianópolis e também tinha interesse em levar a ideia pro norte do Estado.
“A partir disso, o ecossistema reagiu. Hoje a Softville é mantida por uma entidade empresarial, a prefeitura e três universidades. A tríplice hélice está bem representada na cidade”, ressalta Dionei.
Join.Valle: um projeto para o futuro da cidade
Em paralelo à realização dos primeiros Startup Weekends, que deram um novo gás para o ambiente empreendedor na cidade, um outro movimento surgiu em pleno poder público municipal: o projeto Join.Valle, originado na Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável. Mais do que aproveitar a onda dos diversos “vales” (em referência ao Vale do Silício, no norte da Califórnia) que surgiam em outras cidades do país, o desafio deste projeto, afirma o secretário Danilo Conti, é preparar a cidade para “ampliar a atual matriz baseada na indústria metalmecânica para uma economia de tecnologia”. Segundo ele, a cadeia de valores da indústria automobilística – que suporta muitas grandes empresas locais – será profundamente afetada nas próximas décadas, graças à revolução que começa a ser escrita por empresas como Uber, Tesla e outras.
“Se Joinville não fizer isso agora, as indústrias daqui vão perder valor. A vantagem é que começamos a nos movimentar 20 anos antes”, define Danilo. Pesquisa encomendada pela prefeitura à Fundação Certi apontou que a cidade deveria apostar em cinco setores, com base na capacidade industrial já instalada: internet industrial, logística, desenvolvimento de novos materiais (em função do mercado de plásticos), biotecnologia (aproveitando o potencial do setor de fármacos da região) e, claro, empresas de tecnologia da informação e comunicação (TICs). No ano passado, foi criada a Associação Brasileira de Internet Industrial, com sede em Joinville (reconhecida como a capital deste segmento no país) e presidida por José Rizzo Hahn, fundador da Pollux Automação, empresa local que atua com robótica colaborativa.
O surgimento de um movimento de novas empresas de TI seria fundamental, portanto, para desenvolver um dos eixos desta nova concepção de economia do futuro. “Um dos desafios que a cidade tem é o de transformar a mão de obra de excelência técnica que sempre tivemos em potenciais empreendedores”, opina o secretário. Nas última edição do Índice de Cidades Empreendedoras, realizado pela Endeavor Brasil, Joinville apareceu em quinto lugar entre 32 municípios que participaram da pesquisa. Dos oito critérios avaliados no índice, a cidade apresentou o melhor desempenho do país em ambiente regulatório e teve destaque também nos quesitos infraestrutura (7o.) e mercado (10o.).
“Nos últimos três anos a cidade vem vivendo um momento importantíssimo, com a tripla hélice – academia, mercado e poder público – respondendo e criando novos projetos, como o Ágora Tech Park, um parque tecnológico de 70 mil m2 que nasce dentro do Perini Business Park, o maior condomínio industrial e de negócios da América do Sul. O Ágora também ficará em frente à nova sede da UFSC. Colocaremos os dois pés na nova economia”, afirma Danilo.
Para quem se interessou neste cenário de inovação na cidade e quer participar de um Startup Weekend, é bom ficar atento ao calendário: o evento do dia 13 de abril já está com inscrições esgotadas mas haverá outra edição em Joinville, entre os dias 09 e 11 de novembro, encerrando o calendário catarinense de 2018. “Aquilo que se vive num Startup Weekend num final de semana não é ensinado em nenhum outro lugar”, resume Tiago Brandes, da Meus Pedidos.
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