Sistemas de IA prosperam porque os rastros de texto, imagem e áudio — antes dispersos na web — se tornaram datasets observáveis, reagrupados em modelos de linguagem e visão. / Imagem: ChatGPT/SC Inova.
[22.09.2025]
Por Eduardo Barbosa, CEO da Brognoli Imóveis e um dos responsáveis pelo Conselho Mudando o Jogo (CMJ) em SC e RS. Escreve sobre inteligência artificial no ambiente corporativo na série “Diários de IA”.
No início da era industrial, a atividade do mercado era praticamente invisível. A bilhetagem ferroviária mudou isso: cada passagem emitida deixava um rastro que revelava fluxos de pessoas e mercadorias. O que antes era intuição, tornou-se observável, mensurável e, portanto, otimizável.
Hoje, estamos diante de um salto semelhante, mas em escala exponencial. Cada pagamento processado pela Stripe, cada clique registrado por uma plataforma, cada prompt enviado a um modelo de IA cria novos rastros.
Esses rastros não são apenas dados – são vazamentos de contexto, de comportamento e de intenção – que podem ser absorvidos por sistemas capazes de transformá-los em vantagem competitiva.
DO MITO DA ABERTURA AO PODER DO VAZAMENTO
A abertura — tão celebrada no discurso da inovação — muitas vezes funciona apenas como sinal cultural. O real motor econômico está na permeabilidade: o que escapa de um ambiente e pode ser capturado em outro.
- O Facebook Login não foi apenas conveniência, mas um ponto estratégico para coletar dados de navegação que vazavam entre sites.
- A Amazon aprende continuamente com cada vendedor independente, transformando transbordamentos de experimentos de preços e listagens em inteligência para toda a plataforma.
- O Spotify absorveu a curadoria de playlists de usuários e a internalizou em algoritmos que agora ditam o consumo musical global.
A lógica é clara: não se trata de abrir ou fechar sistemas, mas de se posicionar nos pontos onde a atividade gera externalidades observáveis e fracamente excluíveis.
OBSERVABILIDADE COMO CONDIÇÃO PARA IA
Na economia digital, nada vaza se não puder ser observado. A Stripe não é apenas uma empresa de pagamentos: é uma camada de inteligência financeira para a internet, capturando padrões de sazonalidade, demanda e geografia. Da mesma forma, sistemas de IA prosperam porque os rastros de texto, imagem e áudio — antes dispersos na web — se tornaram datasets observáveis, reagrupados em modelos de linguagem e visão.
A própria evolução da IA generativa pode ser vista como a história de três forças:
- Observabilidade — dados que deixam rastros (cliques, bilhetes, transações, prompts).
- Exclusividade fraca — mesmo dados protegidos acabam vazando (copiados, reaproveitados, usados em treinamento).
- Capacidade de absorção — empresas que conseguem estruturar e transformar esses vazamentos em produtos escaláveis.
O JOGO COMPETITIVO MUDOU
Essa dinâmica reformula o que entendemos por vantagem competitiva. No passado, possuir ativos era suficiente: fábricas, oleodutos, terras. Hoje, o diferencial não está na posse, mas na posição: estar no lugar certo para capturar o que escapa.
Para líderes e empreendedores, isso traz duas lições:
- Posicionamento estratégico: mais importante que proteger dados, é se colocar nas fronteiras de fluxo — onde comportamentos, intenções e transações deixam rastros.
- Capacidade de absorção: não basta ter acesso ao vazamento; é preciso estrutura, algoritmos e cultura organizacional para transformá-lo em inteligência acionável.
O QUE ISSO SIGNIFICA PARA A ERA DA IA
A IA acelera porque os sistemas são capazes de converter externalidades em recursos estratégicos. Cada prompt enviado ao ChatGPT, cada correção feita no piloto automático da Tesla, cada busca no Google gera externalidades que alimentam o próximo ciclo de aprendizado.
A questão central para empresas não é mais se abrir ou fechar, mas como se posicionar para que os vazamentos fluam em sua direção.
Na era dos agentes autônomos e da economia orientada por dados, a vantagem virá de quem conseguir transformar observabilidade em absorção, e absorção em crescimento exponencial.
Em um mundo onde cada clique, pagamento ou interação gera rastros, não é ter dados que importa, mas saber trabalhá-los. Dados brutos são apenas ruído; a verdadeira vantagem está em transformá-los em inteligência acionável, capaz de orientar decisões, criar novos modelos de negócio e antecipar movimentos do mercado.
Quem domina essa capacidade não apenas acompanha a economia digital — define as próximas regras do jogo.
REFERÊNCIAS:
- Choudary, Sangeet Paul. Reshuffle (2025).
- Zuboff, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism (2019).
- Andreessen Horowitz (a16z). 100 Gen AI Apps Report (2024).
- MIT Sloan Management Review. 9 Mistakes Leaders Make with AI Strategy (2025).
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