A participação do Governo nos ecossistemas de inovação: é necessário ir além das prefeituras

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A participação do Governo nos ecossistemas de inovação: é necessário ir além das prefeituras

Ausência das câmaras de vereadores e órgãos de controle (MPs e tribunais de conta) no arranjo público é outro problema crítico.

Uma reclamação comum nos executivos municipais é a falta de segurança jurídica para a contratação de inovação. Ausência das câmaras de vereadores e órgãos de controle no arranjo público é outro problema crítico. / Foto: Gabriel Rodrigues (Unsplash)


[05.07.2022]


Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova. 

A inovação tem sido cada vez mais procurada para colaborar com o aumento do desenvolvimento econômico dos territórios. Seja pela existência de empreendimentos inovadores, ou pela aplicação intensiva de inovações, territórios – cidades ou regiões – que investem estrategicamente nesse sentido têm colhido bons frutos.

Talvez esse seja um dos principais motivos pelos quais tem sido cada vez mais frequente ver e conhecer iniciativas para estimular a criação e o desenvolvimento dos chamados “ecossistemas de inovação”, ou “ecossistemas de empreendedorismo inovador”. Mesmo para o leitor mais experiente no assunto, é sempre bom relembrar sobre o que se trata. 

O Livro 2 do Guia de Desenvolvimento de Ecossistemas e Centros de Inovação lembra que essa definição aplicada às relações sociais e econômicas, pega emprestado um conceito originalmente da biologia. Por essa analogia, um ecossistema de inovação pode ser visto a partir da seguinte fórmula:

ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO
=
PESSOAS
(talentos técnicos, criativos e de empreendedorismo)
+
TECNOLOGIA, INFRAESTRUTURA E CAPITAL 
+
CULTURA 
(relacionamento, interdependência, confiança, colaboração, fluxo)

O objetivo final dessas pessoas, tecnologias, infraestruturas, capital, cultura etc. é criar um ciclo virtuoso e constante para a geração de empreendimentos inovadores de sucesso. E, apesar de não existir uma “fórmula mágica” ou “receita de bolo” para isso, foram criados alguns modelos para identificar onde buscar os atores necessários para que esse objetivo seja cumprido.

Um dos modelos mais utilizados hoje para indicar onde estão os atores dos ecossistemas de empreendedorismo inovador é o chamado “modelo da quádrupla hélice”, que indica 4 categorias gerais de organizações que devem ser mobilizadas: empresas, governo, universidades e sociedade civil organizada. 

Modelo dos atores ecossistemas de empreendedorismo inovador com 4 “hélices” (J. Audy e J. Piqué, 2018)

Vale lembrar que modelos nunca conseguem expressar de forma completa a complexidade dos fenômenos socioeconômicos. Talvez seja por isso que sempre que um modelo surge, ele é criticado por ser incompleto e alguém traz algo diferente. Para os ecossistemas de inovação não é diferente. Hoje, por exemplo, já temos modelos com 6 categorias diferentes de atores dos ecossistemas de inovação.

Um ponto em comum em todos esses modelos é sempre considerar a categoria “Governo”, o que expressa corretamente a importância das iniciativas da administração pública para a promoção do empreendedorismo inovador. Em países onde a estrutura estatal é maior, como no caso do Brasil, essas iniciativas tendem a ser mais importantes e, com isso, a necessidade da participação de atores da iniciativa pública é ainda mais relevante.

Modelo dos atores ecossistemas de empreendedorismo inovador com 6 “hélices”

LEGISLATIVO: PEÇA FUNDAMENTAL NO ARRANJO PÚBLICO DA INOVAÇÃO

Especialmente no caso dos atores da “hélice” Governo, na aplicação dos modelos de ecossistema de inovação no mundo real, percebe-se que ou o modelo é incompleto, ou há algo de errado na sua aplicação. Como os ecossistemas de inovação contemplam cidades ou regiões específicas, nota-se que as Prefeituras – o Poder Executivo Municipal – são chamadas a participar. No entanto, quase não vê a participação de outros agentes governamentais.

Primeiro, há um outro Poder Público importante que atua em nível municipal: é o Poder Legislativo, por meio das Câmaras de Vereadores. Nota-se que quase não se vê a participação ativa e constante de vereadores ou de outros agentes públicos representando a câmara municipal nos ecossistemas. Normalmente eles são lembrados quando há alguma lei relacionada à inovação em debate na cidade, mas depois disso ficam à margem, principalmente das ações. Cabe lembrar que o Poder Legislativo Municipal, além de analisar e aprovar leis, e fiscalizar as ações do Poder Executivo, também precisa inovar.

Uma reclamação comum dos agentes públicos atuantes nas Prefeituras é a falta de segurança jurídica para a contratação de inovação. Mesmo com a possibilidade de compra de soluções inovadoras pelos órgãos públicos por meio do Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), da Lei Federal 182 de 2021 (o “Marco Legal das Startups”), nota-se que o instrumento ainda não está em pleno funcionamento, aliás está muito longe disso.

Os motivos podem ser percebidos pelo estudo “Desafios para a Inovação na Gestão Municipal” que, mesmo tendo sido desenvolvido antes da aprovação do CPSI, já ressaltava que há um medo generalizado por parte dos gestores públicos, especialmente do Poder Executivo Municipal, para a compra de inovação.

Esse medo de contratação de inovações por parte dos gestores das Prefeituras, e também das Câmaras de Vereadores, vem da falta de cultura e de segurança jurídica para isso. Afinal de contas, ninguém em sã consciência quer ter seu nome e imagem associados a denúncias sobre investigações de irregularidades em compras públicas.

Nota-se que até aqui não se falou sobre a participação dos órgãos de controle nos ecossistemas de inovação, com destaque para o Ministério Público e os Tribunais de Contas, e também para o Poder Judiciário. Apesar desses órgãos terem abrangência estadual ou federal, boa parte da sua atuação é sobre questões que ocorrem nas cidades.

As Câmaras de Vereadores normalmente são lembradas quando há alguma lei relacionada à inovação em debate. Depois disso ficam à margem do processo.
As Câmaras de Vereadores normalmente são lembradas quando há alguma lei relacionada à inovação em debate. Depois disso ficam à margem do processo. / Foto: CMF/Divulgação

Então percebe-se uma oportunidade relevante para chamar representantes desses órgãos públicos a participarem das dinâmicas e dos debates para o desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo inovador. Afinal de contas, da mesma forma que as Prefeituras e Câmaras de Vereadores, o Ministério Público e os Tribunais de Contas também precisam de inovação. 

Não se pode esquecer também da inclusão de atores dos níveis Estadual e Federal, principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo. Os Governos Estaduais, o Governo Federal, além das Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado, também precisam de inovação e a participação de representantes locais desses órgãos pode beneficiar a todos os envolvidos.

Vale lembrar que, mesmo tendo abrangência muito além das cidades e, portanto, das áreas dos ecossistemas de inovação, quase todos esses órgãos públicos têm algum tipo de representação local. Portanto, há a oportunidade de chamar esses representantes para participar ativamente dos ecossistemas locais.

ALINHAMENTO DE BOAS PRÁTICAS PARA ADQUIRIR INOVAÇÃO

Um benefício importante da participação desses órgãos tão esquecidos dos ecossistemas de empreendedorismo inovador é o alinhamento de boas práticas para a realização de compras públicas de inovação. Um primeiro passo pode ser a promoção de debates e capacitações, por parte principalmente do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, tanto para os contratantes públicos dos outros poderes e de todas as esferas, quanto para os fornecedores privados e as universidades.

Outro ponto positivo é o compartilhamento de desafios de inovação. Por mais que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e os órgãos de controle, nas suas diferentes esferas, tenham funções bastante diferentes, é bem possível que muitos deles tenham desafios comuns que possam ter resposta em inovações. Assim, o diálogo e a atuação em conjunto desses atores podem ter o potencial de trazer bons resultados, começando pelo mapeamento de desafios de inovação em comum.

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Essa maior pluralidade de atores públicos de diferentes origens e esferas pode também facilitar a revisão e atualização de normas regulatórias, que muitas vezes são inibidores de inovação. Áreas importantes para a sociedade, tais como a Saúde, a Mobilidade Urbana, a Segurança, entre outras, têm o potencial de desenvolver normas com maior qualidade, mais clareza e menor burocracia.

No entanto, o engajamento desses órgãos aos ecossistemas de inovação não é algo trivial. Se já é complicado fazer com que atores das outras hélices que já atuam há algum tempo, tenham participação constante e relevante, imagine para organizações que até então não eram consideradas.

É necessário um trabalho de inclusão efetiva de representantes desses órgãos públicos na governança dos ecossistemas de inovação, criando também mecanismos de estímulo e de realização de ações práticas. E, no primeiro momento, essa responsabilidade é de todos os outros atores já participantes do ecossistema local de inovação, que precisará fazer sucessivos chamamentos à participação de todas essas organizações públicas.

A participação mais efetiva desses atores da esfera governamental até então esquecidos, tem o potencial de estimular a geração de empreendimentos inovadores de diferentes modos. O compartilhamento de desafios de inovação com as universidades e empreendedores pode incentivar a geração de soluções inovadoras. E o uso seguro e consistente dos mecanismos de compras públicas de inovação pode efetivamente acelerar o mercado das GovTechs, atualmente “travado” pelo medo dos gestores e pela excessiva burocracia e lentidão nos processos de compras públicas.

Fica aqui então o chamado às lideranças dos ecossistemas de inovação, para chamarem a participação desses outros órgãos públicos que ainda não foram lembrados. Caso seja feita com sucesso, essa integração de mais atores pode trazer ganhos significativos para todos, incluindo nisso a sociedade que pode ser beneficiada por serviços públicos melhores e mais eficientes. 

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