[OPINIÃO] A Mobilidade Urbana está na UTI. Estamos levando o diagnóstico a sério?

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[OPINIÃO] A Mobilidade Urbana está na UTI. Estamos levando o diagnóstico a sério?

O erro fundamental foi termos, como sociedade, incentivado o modelo de transporte individual por décadas, atribuindo status ao carro

O erro fundamental foi termos, como sociedade, incentivado o modelo de transporte individual por décadas, atribuindo status ao carro e transformando-o em símbolo de sucesso. / Foto: Filipe Freitas (Unsplash)


[11.06.2025]

Por Jean Vogel, presidente da Câmara de Smart Cities da FIESC e CEO da Ecosystems.Builders

A mobilidade é um dos temas mais sensíveis das cidades, pois impacta diretamente a qualidade de vida da grande maioria da população. O ir e vir diário é um desafio crônico para gestores e cidadãos, e a percepção é de que o cenário se agrava dia após dia, mesmo em cidades menores. 

Por quê? Porque, no fundo, a discussão raramente ataca as causas reais do problema.

A ARMADILHA DO TRANSPORTE PÚBLICO

No Brasil, parte da resposta está na precariedade dos serviços de transporte público. Lentos, desconfortáveis, caros e ineficientes são adjetivos comuns associados ao serviço, que, por consequência, só é utilizado por quem não tem outra opção.

Quem já teve a oportunidade de conhecer cidades como Paris e Barcelona se surpreende com o quanto é libertador não depender de transporte individual. Nesses lugares, a mobilidade eficiente simplesmente deixa de ser uma preocupação diária. 

A pergunta inevitável é: por que a realidade é tão diferente por aqui?

O PARADOXO DO BRT: SOLUÇÃO OU REMENDO CARO?

O modelo BRT (Bus Rapid Transit) funciona de forma exemplar em Curitiba, que o adotou na década de 1970 e se desenvolveu de forma planejada em torno do seu conceito. O sucesso não veio do BRT isoladamente, mas do planejamento integrado.

Hoje, vemos o oposto: depois de construir cidades para os carros, alguns municípios investem volumes significativos de recursos para implantar pequenos circuitos de BRT. Eles espremem o já excedente volume de automóveis em menos faixas, subutilizando uma infraestrutura cara na esperança de que isso, por si só, resolva a mobilidade.

Não se trata de apoiar o automóvel, mas de admitir que um BRT isolado, sem um plano diretor que o sustente, é um paliativo caro. O erro fundamental foi termos, como sociedade, incentivado o modelo de transporte individual por décadas, atribuindo status ao carro e transformando-o em símbolo de sucesso. 

E essa lógica nunca deixou de ser estimulada.

VEÍCULO PRÓPRIO. UM ÓTIMO NEGÓCIO PARA GOVERNOS

Ter um carro próprio é um excelente negócio para os governos, sejam municipais, estaduais ou federal: mais de 4% do PIB brasileiro é gerado pela indústria automotiva. Somente com combustíveis, governos federal e estaduais arrecadaram em 2024 cerca de R$ 9.5bi e R$ 131bi (ICMS) respectivamente. 

Sozinha, a Petrobras contribui com 7% do total de tributos arrecadados pelo país (R$ 270bi), tendo ainda distribuído outros R$ 62bi ao governo – maior acionista da companhia.

Precisa explicar mais? O sistema é desenhado para se retroalimentar.

O ir e vir diário é um desafio crônico para gestores e cidadãos
O ir e vir diário é um desafio crônico para gestores e cidadãos. / Imagem: Chat GPT/SC Inova

ENTÃO, O QUE FAZ AS PESSOAS TROCAREM O CARRO PELO TRANSPORTE PÚBLICO?

Além da qualidade do serviço, a resposta está no planejamento urbano. O status do carro perde força quando a cidade torna seu uso desnecessário.

Nossas cidades se expandiram de forma espalhada, tornando uma vida a pé ou com deslocamentos curtos um desafio. É aqui que surge o conceito das cidades de 15 minutos, que concentram moradia, trabalho, educação e lazer a uma curta distância. Paris é um grande exemplo de como essa abordagem funciona.

Para a nossa realidade, a solução mais eficaz é o planejamento orientado ao adensamento inteligente. Autorizar a construção de um grande empreendimento em uma região afastada e sem infraestrutura é criar, deliberadamente, um novo problema de mobilidade. 

Observar essa questão antes de licenciar um novo projeto é crucial para não agravar o caos.

PATINETES E MOTOS ELÉTRICAS. SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

Virou moda. As cidades estão cheias delas. Nas ruas, ciclovias, calçadas, sendo pilotadas por crianças, jovens, adultos e idosos, com ou sem proteção. Mas, se por um lado é uma alternativa acessível e prática, por outro, expõem uma falha grave: a falta de planejamento para micromodais.

Hoje, da maneira como são utilizadas, representam um crescente caso de segurança e saúde pública. É trivial cruzar com esses veículos a mais de 40 km/h em ciclovias, a centímetros de pedestres. Sem regulamentação e infraestrutura adequadas, o que deveria ser uma solução se torna mais um fator de risco no caótico trânsito urbano.

E NO FUTURO: SEREMOS TODOS JETSONS?

Quem sabe a solução definitiva para o trânsito esteja acima das ruas. / Imagem: ChatGPT/SC Inova

Enquanto patinamos nas soluções terrenas, o futuro da mobilidade aponta para o céu. O desenho dos Jetsons, de 1962, com seus carros voadores, parece cada vez menos ficção.

Iniciativas como o eVTOL da Eve (Embraer), com início de operações estimado para 2026, prometem revolucionar os deslocamentos. Um veículo 100% elétrico, com autonomia para trajetos urbanos, capaz de conectar o centro de São Paulo ao aeroporto de Guarulhos em 13 minutos. Dezenas de outras empresas desenvolvem propostas semelhantes.

Ainda há desafios tecnológicos e de infraestrutura, mas a evolução será exponencial. Talvez a solução definitiva para o trânsito não esteja nas ruas, mas acima delas.

VITÓRIAS RÁPIDAS: FAZER O BÁSICO BEM FEITO

Se não é possível uma solução de curto prazo, que englobe todos os aspectos, o mínimo é fazer o básico, o dever de casa, e otimizar cada oportunidade. 

Um exemplo: me diga se na sua cidade os semáforos estão sincronizados de maneira e melhorar o fluxo, ou se funcionam de maneira aleatória, sem qualquer lógica? Mais que isso, trata-se de uma tecnologia disponível, aplicar inteligência a eles, medindo o fluxo e controlando os tempos de abertura conforme a demanda, em tempo real. Resolve tudo? não, mas ajudaria muito!

Para não ficar no campo das hipóteses, veja o case da Prefeitura de Joinville, que em parceria com o Waze, utilizou dados para otimizar uma intervenção em importante via da cidade, economizando tempo e recursos públicos, e, principalmente, causando um resultado fantástico:

  • Economia de US$ 1 bilhão para Joinville;
  • 18 minutos a menos no tempo de viagem usando os principais corredores da cidade;
  • Três dias de vida a mais para os motoristas e passageiros habituais a cada ano

Ou seja, dá para fazer, não custa caro e não é complexo.

PARA RESUMIR: PLANEJAMENTO

A melhor mobilidade é não precisar de mobilidade.

No fundo, ninguém gosta de grandes deslocamentos urbanos, custa caro e na maioria das vezes não é prazeroso, além de nos tirar horas que poderiam ser utilizadas para trabalhar, estudar, descansar e INOVAR – Estudo da FIRJAN, feito com base no tempo perdido no deslocamento casa-trabalho, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE estimou um prejuízo de R$ 267 bilhões com a IMOBILIDADE. (IMPORTANTE: O estudo é de 2018, imaginem como é nos dias atuais!)

Não existe fórmula mágica, mas é fato que, de maneira geral, falhamos em promover o desenvolvimento urbano de forma inteligente. 

A sociedade precisa entender que esta é uma missão de todos, não apenas do poder público. Exige decisões corajosas, planejamento integrado e, acima de tudo, disposição para questionar um modelo que, embora lucrativo para alguns, é insustentável para todos.

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