Ainda que a Covid-19 tenha segurado aportes em startups em 2020, fundos de venture capital avaliam que a fonte não secou para empresas inovadoras – especialmente se estiverem ancoradas na sustentabilidade financeira. / Imagem: The Conversation
[FLORIANÓPOLIS, 12.05.2020]
Reportagem: Fabrício Rodrigues, editor SC Inova – scinova@scinova.com.br
O mercado de investimentos de risco em startups vinha à toda no Brasil em 2019 e prometia bater novos recordes em 2020, estimulado pela presença de fundos globais – como o Softbank, que tinha aportado US$ 1,5 bilhão no país – e condições macroeconômicas como a queda de juros e medidas de desburocratização.
Mas aí veio a pandemia da Covid-19, a queda nas bolsas, uma nova recessão econômica global e um cenário ainda completamente incerto. Numa análise superficial sobre o mercado de startups, há quem diga que “a bolha de investimentos estourou” e que os “unicórnios” (empresas com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão) estão fadados à extinção, dado os prejuízos em companhias globais como WeWork e Uber, e a fragilidade financeira que gerou milhares de demissões em emergentes no Brasil, como Gympass, MaxMilhas, Stone entre outras.
Seria o fim de um ciclo de expansão do capital de risco para startups no país, que atingiu o pico em 2019?
“Houve uma desaceleração, sem dúvida, mas as perspectivas para o ecossistema ainda são bastante positivas. A crise trouxe desafios a todos, mas a maior beneficiada nesse novo contexto é a digitalização”, aponta Bruno Loreto, cofundador da Terracotta Ventures, empresa de investimentos em inovação nos setores de construção civil e mercado imobiliário. “Várias indústrias tradicionais vão acelerar a migração para uma nova forma de trabalho, as pessoas vão se comportar de uma maneira diferente após o fim da pandemia e as empresas de tecnologia serão fundamentais no aproveitamento dessas oportunidades”, opina.
O colapso dos “unicórnios” dá a vez agora à busca pelas empresas “camelo”, aquelas que, em tese, seriam capazes de viver por várias décadas anos andando num deserto e sobrevivendo com poucos recursos. Longe desses extremos, porém, está a maioria absoluta das startups do país, especialmente no ecossistema de Santa Catarina, caracterizado por empresas que desenvolvem soluções para o mercado corporativo (B2B) e, por isso, demandam um volume menor de capital para validar seus modelo de negócio, em comparação com startups que vendem para o consumidor final (B2C).
“Esses jargões e apelidos são apenas modismos para chamar atenção. O que está por trás disso é a tese de investimento de cada fundo. Aqueles que têm características de serem agressivos em negócios que demandam alto volume de capital sentirão, é óbvio, os maiores impactos, como estamos vendo agora. Já aqueles que são menos agressivos e pregam pela sustentabilidade financeira podem passar pela crise sofrendo menos”, opina Marcelo Wolowski, sócio fundador da catarinense Bzplan, que já investiu em empresas do Sul do país como CataMoeda, Axado, Rede Vistorias, mobLee, Phone Track, entre outras.
Somente em abril deste ano, foram realizados 20 aportes em startups e scale-ups no Brasil, somando um total de US$ 144 milhões, de acordo com levantamento feito pela Distrito Dataminer. Mas quase 90% deste volume está concentrado em duas rodadas de investimento: os US$ 80 milhões recebidos pela CargoX e liderado pela gestora LGT Lightstone Latin America; e os R$ 250 milhões que o fundo SoftBank aplicou no petshop online PetLove. Nos demais 18 aportes do período, as startups do país receberam, no total, aproximadamente US$ 10 milhões – ou seja, nada que torne candidatas a “unicórnio”.
“No cenário pós-pandemia, avalia Marcelo Wolowski, “os valuations (valor de mercado das startups, base para definir quanto será investido) válidos serão aqueles fundamentados em indicadores de performance, principalmente na área financeira, sustentados por negócios equilibrados economicamente e racionais. Para o nosso fundo isso não muda, pois sempre privilegiamos a racionalidade. Como os valuations antes da crise não eram feitos assim, obviamente deverá haver uma redução”.
Das oito empresas do portfólio da Bzplan, uma em especial sentiu o baque da pandemia: a mobLee, de Florianópolis, que desenvolvia soluções de tecnologia para eventos corporativos e precisou, em poucos meses, reinventar o modelo de negócio ao criar uma plataforma que simula online uma conferência tradicional, com direito a palestras simultâneas em diferentes ambientes e um “estande digital” para atrair patrocinadores. “Mesmo em uma situação como essa, a empresa teve condições financeiras para reinvestir em um novo produto. A sustentabilidade econômica das startups será um dogma cada vez maior para os fundos agora”.
Em relação a investimento anjo, “março foi um mês bem assustador, em função de perdas em outras modalidades, como bolsa de valores e fundos de investimento”, comenta Alexandre Castro, que participa da Rede de Investidores Anjo (RIA SC), iniciativa conjunta entre Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) e Anjos do Brasil que, em 2019, investiu R$ 4,2 milhões em cinco startups.
“A partir de maio as coisas começam a voltar um pouco mais à normalidade – e com mais uma queda da taxa básica de juros, a tendência é seguir na busca por formas alternativas de renda, como o investimento em startups. Captar recursos neste primeiro semestre vai ser mais difícil, sem dúvida, pois todos estão mais seletivos. Mas não teve nenhum estouro de bolha neste mercado”, comenta Alexandre.
SAÚDE: A BOLA DA VEZ PARA O MERCADO DE VENTURE CAPITAL?
Se por um lado mercados como eventos, turismo e outros abatidos pela Covid-19 estarão mais longe do radar de investidores e fundos, a partir de agora, outros setores deverão atrair um forte volume de recursos – em especial a área de saúde. Sócia da Bzplan, a FIR Capital, com sede em Belo Horizonte, criou em 2019 o fundo HealthInvest, que busca startups com soluções nas áreas de ciências da vida e biotecnologia.
Nos últimos dois meses, devido à emergência de novas tecnologias para o setor de saúde e em plena pandemia, o fundo – que contava com um total captado de R$ 87,5 milhões até o final de 2019 – angariou outros R$ 20 milhões com a entrada de novos investidores institucionais. “Esta é a hora de entrar neste mercado”, avalia Andre Emrich, sócio e membro do Comitê Executivo da FIR Capital.
“A crise vai fragilizar de maneira intensa muitas empresas inovadoras e mudar hábitos. Por exemplo, duas startups do nosso portfólio decidiram deixar de operar em escritórios físicos, vão manter as equipes remotas e fazer uma reunião semanal para alinhamento de cultura e metas”, explica. A Bzplan FIR Capital deve anunciar, nos próximos meses, um novo investimento em uma startup catarinense – e outras duas do portfólio devem receber aportes follow-on de terceiros.
“Além dos recursos financeiros, é a hora das startups olharem para toda sua cadeia de valor, haverá mais operações de fusão e aquisição (M&A), troca de ações e iniciativas de união entre empresas (base de clientes, portfólio)”, recomenda o investidor.
Como destaca Bruno Loreto, da Terracotta: “a atividade de venture capital é um ciclo de longo prazo, olhamos um horizonte de tempo de oito a dez anos, a crise traz preocupações mas ao mesmo tempo apresenta inúmeras oportunidades, é com esse olhar que estamos avaliando o mercado”.
Sejam unicórnios, camelos ou zebras, as startups que sobreviverem ao furacão da Covid-19 ainda terão um ecossistema completo para explorar e buscar o desenvolvimento.
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