Relatório apresentado a lideranças do setor revela que a capital mantém alto senso de comunidade e capacidade de atrair talentos, mas ainda não rompe barreiras para competir com hubs globais – além de faltar investimento de fontes locais. / Foto: João Roger Goes Pereira (Unsplash)

[09.12.2025]![]()
Por Fabrício Umpierres, editor SC Inova – scinova@scinova.com.br
Florianópolis é reconhecida há anos como um dos mais pujantes ecossistemas de tecnologia do Brasil. Mas, segundo uma pesquisa desenvolvida pela Startup Genome junto a empreendedores locais, e apresentada nesta terça (09) a lideranças do setor, a cidade enfrenta hoje um ponto de inflexão: cresceu o suficiente para entrar numa fase de “ativação avançada”, porém não conseguiu evoluir para o estágio de globalização, necessário para competir com hubs internacionais e gerar scale-ups em ritmo sustentado.
Os dados mostram uma combinação paradoxal: Florianópolis tem um dos ambientes mais colaborativos do país (acima da média global, inclusive), atrai fundadores de outras regiões e mantém uma taxa muito alta de retenção. Por outro lado, a cidade convive com gargalos estruturais em globalização, financiamento e mentalidade de escala, que travam o avanço da cidade na corrida internacional por inovação.
No mais recente estudo do Startup Genome, divulgado em junho deste ano, Florianópolis foi reconhecida como um dos 15 principais ecossistemas de inovação da América Latina – em 13º lugar no ranking regional, a capital catarinense aparece ao lado de grandes centros como Medellín (12ª), Lima (11ª) e Porto Alegre (10ª).
PONTOS FORTES
O relatório descreve Florianópolis como um ecossistema “coeso, unido e apoiador”, com indicadores de comunidade acima da média global. Segundo o esudo, fundadores recebem 85% mais suporte de outros founders e 23% mais apoio de investidores e especialistas do que ecossistemas comparáveis. Do total de entrevistados, 34% mudaram suas startups para Florianópolis, muitos vindos de São Paulo, e 96% afirmam não ter planos de sair da capital.
Essa combinação explica por que o ecossistema se tornou, ao longo da última década, um polo de fundadores experientes e dispostos a retribuir ao ambiente, reforçando o ciclo de engajamento e mentoria.
PONTOS FRACOS
Apesar da força local, o relatório é categórico ao afirmar que as startups de Florianópolis se globalizam a taxas muito abaixo da média dos pares internacionais. O que explica essa estagnação: conexões internacionais 27% abaixo da média global, 40% menos clientes globais do que ecossistemas comparáveis.
A consequência é que startups locais criam produtos competitivos, mas raramente nascem voltadas ao mundo — um padrão semelhante ao que Cingapura enfrentava no início dos anos 2010, antes de promover uma virada cultural rumo ao Sudeste Asiático e se tornar, hoje, um dos Top10 hubs globais em IA.
O recado é: o ecossistema de startups Florianópolis não cresce porque não se internacionaliza — e não se internacionaliza porque ainda pensa como um mercado local.
FINANCIAMENTO: PRINCIPAL GARGALO PARA STARTUPS LOCAIS
O financiamento inicial continua sendo o principal gargalo do ecossistema. O estudo indica um déficit crônico de capital nas fases mais sensíveis do desenvolvimento das startups — especialmente nos primeiros cheques. Do total de empresas que captam uma rodada seed, apenas 19% chegam à Série A e somente 5% conseguem chegar à Série B. Entre 2020 e 2024, Florianópolis registrou 176 rodadas e ficou no top3 nacional, mas sofreu uma queda acentuada a partir de 2022.
O diagnóstico aponta causas estruturais: o capital de risco local é limitado, o que obriga founders a buscar investimentos fora de Santa Catarina; há pressão excessiva para rentabilidade precoce, desalinhada de trajetórias de crescimento; as saídas tendem a ser pequenas — na faixa de US$ 10 a 15 milhões — reduzindo o potencial de reciclagem de capital no ecossistema; e investidores frequentemente pedem que as startups mantenham foco no mercado nacional, restringindo o tamanho do mercado endereçável e limitando a ambição de escala.
Esse cenário se conecta diretamente à estagnação das vendas relevantes de empresas. O relatório aponta que Florianópolis não registra um exit significativo de startups desde 2021, ano em que ocorreram as últimas operações acima de US$ 100 milhões. Pela metodologia do Startup Genome, para que um ecossistema avance para o estágio de globalização, precisa produzir ao menos uma saída desse porte por ano e ter aproximadamente 1.000 startups ativas.
Florianópolis ainda está abaixo dos dois patamares: estimativas do Sebrae indicam entre 700 e 800 startups em operação. O resultado é um enfraquecimento da capacidade de atrair novos investimentos, reter talentos experientes e gerar ciclos de reinvestimento — pilares fundamentais para a maturidade de longo prazo.

OS CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO
Os dados e entrevistas sugerem que Florianópolis é travada hoje por um conjunto de fatores interligados: a mentalidade voltada prioritariamente ao mercado brasileiro reduz o alcance das soluções criadas e limita a capacidade de formar empresas globais em um país cujo mercado, por si só, não sustenta um ciclo consistente de unicórnios; a baixa conectividade internacional dificulta o acesso a hubs de fronteira e reduz o fluxo de conhecimento necessário para competir globalmente.
A escassez de capital early-stage encurta o ciclo de crescimento das startups, que muitas vezes saem cedo demais ou ficam pequenas por falta de fôlego financeiro – a ausência de grandes exits impede a reciclagem de capital, talento e ambição. E a cidade ainda carece de um planejamento estratégico mais articulado, capaz de alinhar políticas públicas, atração de talentos, incentivos e posicionamento internacional.Apesar disso, o relatório reforça que Florianópolis tem bases sólidas sobre as quais pode construir um salto de maturidade.
O ecossistema mantém uma comunidade colaborativa — uma das mais consistentes do país —, concentra talentos acima da média nacional e se beneficia de uma qualidade de vida que continua sendo diferencial na atração de founders. A cidade também demonstrou capacidade de formar empresas B2B robustas, alinhadas a tendências globais de digitalização e soluções corporativas. Mas para crescer, precisa compreender estes pontos de atenção e ampliar não apenas a conexão com outros mercados como também gerar mais oportunidades de investimento.





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