Como ambientes de inovação e conexão ajudam a transformar vazios urbanos?

Voce está em :Home-Ecossistemas, Sociedade-Como ambientes de inovação e conexão ajudam a transformar vazios urbanos?

Como ambientes de inovação e conexão ajudam a transformar vazios urbanos?

Lições e referências de como cidades ressignificaram espaços abandonados, conectando pessoas e se transformando em símbolo da nova economia

Lições e referências de como cidades ressignificaram espaços abandonados, conectando pessoas e se transformando em símbolo da economia do século XXI. / Foto: White City Innovation District (Imperial College/Londres)


[05.06.2025]
Por Ecosystem.Builders

Um movimento silencioso e inspirador vem tomando forma nas cidades ao longo dos últimos anos. Reflexo da revolução digital e da necessidade de se reinventar para atrair talentos e negócios, ambientes urbanos mundo afora estão transformando áreas degradadas em espaços com a cara da economia do século XXI.

Fábricas e indústrias abandonadas cedem lugar para coworkings, startups e centros de inovação; parques viram espaços de conectividade, lazer e até mesmo de trabalho; ruas degradadas se tornam corredores de bares, hostels e restaurantes, entre outros exemplos.

É o que está acontecendo, por exemplo, em Lisboa. Em uma área que abrigava armazéns e fábricas abandonadas, situada entre o rio Tejo e o centro da cidade, surgiu o Hub Criativo do Beato, criado para ser um polo de inovação e tecnologia, lar de profissionais criativos e ponto de encontro para colaboração e desenvolvimento de ideias. Há, também, outros investimentos significativos na região: no final de 2022 foi lançado o Unicorn Factory Lisboa, uma “fábrica de unicórnios” que pretende investir – por meio de recursos públicos e privados – mais de oito milhões de euros para desenvolver dezenas de startups anualmente e dobrar o volume de empresas inovadoras que surgem na cidade. 

“Lisboa precisa de mais unicórnios, porque estas empresas vão criar os empregos do futuro, gerar riqueza, alavancar a economia e renovar a cidade”, afirmou Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, durante o lançamento do programa.

UK: A CIDADE HIGH-TECH E O “BAIRRO DOS DESCOLADOS”

Com um farto legado industrial, o Reino Unido tem sido um exemplo na revitalização e transformação de espaços abandonados em ambientes inovadores. Em Londres, a reurbanização de áreas degradadas encontrou a inovação no White City Innovation District – um espaço que mescla unidades residenciais a espaços de trabalho voltados à inovação, em projeto desenvolvido em parceria com o Imperial College de Londres. A aceleradora local, Scale Space, conta com uma estrutura de dois andares e envolve mais de 300 pesquisadores trabalhando em projetos de 20 diferentes setores. 

Em outra área relativamente pobre da cidade, localizada no leste de Londres, surgiu no final dos anos 2000 o Silicon Roundabout, o qual empresas digitais passaram a ocupar para criar uma nova centralidade para os empreendedores de tecnologia. A partir da década seguinte, grandes companhias globais chegaram à região, como Intel, Google, Microsoft e outras. Este “Vale do Silício londrino” fez a cidade subir ao topo do ranking de cidades mais high-tech do planeta, superando Nova York e San Francisco segundo o Z/Yen Group’s Smart Centres Index, que estuda a capacidade de regiões globais criarem, desenvolverem e implantarem novas tecnologias. 

Região revitalizada de Ancoats, em Manchester. /
A revitalizada região de Ancoats, em Manchester (ING). / Foto: James Genchi (Unsplash)

Ainda no Reino Unido, a antiga capital industrial do planeta, Manchester, transformou o tradicional distrito fabril de Ancoats em um dos “bairros mais descolados” do mundo, de acordo com a revista TimeOut. A região, famosa por ser um celeiro musical nos anos 1970 e 1980, chegou a ter 80% de sua área comercial vaga até ser tombada, em 1998. A partir de então, começou a ser reocupada com bares, teatros, museus, empresas de tecnologia e residências, já que muitas construções antigas foram reformadas. 

E o que faltava para a região em termos de urbanismo contemporâneo – uma ampla área verde para conectar espaços públicos e privados – deve sair do papel em breve, com o projeto de um “pulmão verde” na região do Central Retail Park para incentivar o deslocamento ativo como opção principal de locomoção pelo bairro.

BARCELONA: SMART CITY POR EXCELÊNCIA

Um dos exemplos mais icônicos de transformação urbana está no bairro de Poblenou, em Barcelona. A degradada área industrial tornou-se o epicentro da inovação e da tecnologia na capital catalã graças ao projeto do Distrito 22@, que hoje abriga incubadoras, aceleradoras, centros de pesquisa e desenvolvimento, empresas de diversos portes (de startups a gigantes como Amazon, Cisco e T-System) e universidades.

O distrito é também uma mini cidade inteligente, que funciona como um laboratório urbano a céu aberto (living lab): a ideia é apoiar a realização de projetos-piloto em um ambiente real de testes que, se forem ‘validados’, tornam-se novos serviços e produtos para smart cities mundo afora.

Poblenou: a degradada área industrial tornou-se o epicentro da inovação e da tecnologia na capital catalã
Poblenou: a degradada área industrial tornou-se o epicentro da inovação e da tecnologia na capital catalã. / Foto: Expedia

“A cidade vivia uma crise econômica na década de 1980 e decidiu empreender esforços e passou a fazer grandes investimentos em infraestrutura, tendo como um dos pilares a Olimpíada de 1992, que trouxe um elemento a mais para estimular a reestruturação da cidade. A partir de então, Barcelona foi se transformando em um polo da economia criativa, tendo como epicentro o 22@, atraindo (e retendo) talentos e, consequentemente, investimentos. Por toda cidade você encontra histórias que se conectam com projetos que sustentam esse crescimento”, destaca Jean Vogel, fundador da Ecosystems.Builders e presidente da Câmara de Smart Cities da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), entidade que vem apoiando projetos e debates sobre o futuro das cidades.

BRASIL: POR ONDE COMEÇAR?

O Brasil ainda vive uma fase de desenvolvimento de ambientes de inovação, mas algumas iniciativas já mostraram o potencial de aproveitar espaços ociosos ou abandonados para ressignificar todo o aspecto urbano – e econômico. No bairro do Recife Antigo, uma região histórica na capital pernambucana, surgiu o Porto Digital – uma das referências nacionais em ecossistemas de inovação, onde estão instaladas mais de 300 empresas que faturam, anualmente, cerca de R$ 4,7 bilhões, as quais empregam cerca de 17 mil pessoas. 

Em Porto Alegre, a decadente área industrial do Quarto Distrito passou por uma revitalização e inaugurou um hub de inovação em 2021. O Instituto Caldeira, espaço de 22 mil m2 que abriga 100 companhias residentes (entre startups, poder público e universidades), vem se tornando a nova centralidade da economia digital na capital gaúcha. 

Na Grande Curitiba, um projeto inovador está começando a transformar o maior vazio urbano da região, o qual é subutilizado há quase uma década. Em uma área de 560 mil m2 onde funcionava o Autódromo Internacional de Curitiba, espaços públicos estarão conectados a equipamentos urbanos, residências, ambientes corporativos e centro de inovação: o PARC Autódromo tem a perspectiva de se tornar um bairro-cidade com mais de 8 mil habitantes nos próximos 15 anos.

Em uma área espaço de 560 mil m2 onde funcionava o Autódromo Internacional de Curitiba, espaços públicos estarão conectados a equipamentos urbanos, residências, ambientes corporativos e centro de inovação.
Em uma área de 560 mil m2 onde funcionava o Autódromo Internacional de Curitiba, espaços públicos estarão conectados a equipamentos urbanos, residências, ambientes corporativos e centro de inovação. / Imagem: Divulgação (PARC Autódromo)

A ideia é desenvolver uma nova centralidade para a região metropolitana baseada no Novo Urbanismo e no conceito das “cidades de 15 minutos”. E, assim como Londres, Barcelona e Lisboa, contará com um hub de inovação e tecnologia, comenta Fernando Bau, CEO e fundador da BairrU, desenvolvedora do PARC: “os projetos de revitalização urbana desempenharam um papel crucial na transformação de áreas degradadas em espaços vibrantes e prósperos em cidades do mundo todo. Nós enxergamos neste espaço, que carrega um legado do automobilismo brasileiro mas que estava abandonado, um enorme potencial para o desenvolvimento urbano, econômico, social e tecnológico”. 

Outro projeto que está em desenvolvimento na região é a Fábrica de Ideias, que pretende transformar uma antiga fábrica da Ambev no bairro Rebouças, em Curitiba, em um polo de inovação, cultura e desenvolvimento tecnológico. Com 50 mil m² de terreno e 34 mil m² de área construída, o complexo será dedicado à aceleração de startups, economia criativa, formação profissional, laboratórios, coworkings e pesquisas acadêmicas. O projeto arquitetônico adota o conceito de retrofit, preservando a estrutura original e incorporando soluções de eficiência energética, acessibilidade e tecnologia.

Além dos espaços voltados ao empreendedorismo e à inovação, a Fábrica de Ideias incluirá um novo centro cultural e gastronômico, museus, auditório para 250 pessoas e uma praça integrativa que conectará arte, comunicação e inteligência artificial. Um edifício corporativo de oito pavimentos será construído ao lado das instalações revitalizadas, reunindo empresas de tecnologia, instituições de pesquisa e órgãos públicos. 

E assim como os armazéns de Lisboa e as fábricas de tecido em Londres e Manchester, o passado permanecerá vivo no espaço, trazendo a história para o presente e o futuro da região.