“Diante do cada vez mais acelerado ritmo de inovação da tecnologia, cumpre aos profissionais do Direito a constante atualização não só das novas regras mas também sobre a forma como a sociedade se comporta diante dos novos recursos disponíveis”
Por Marlon Volpi*
É amplamente reconhecido que a evolução da legislação se dá de maneira muito mais lenta do que o avanço da tecnologia. Mas a sociedade, que incorpora rapidamente as novas tecnologias aos seus hábitos pessoais e profissionais, não espera a lei mudar. Esse é o desafio que surge no âmbito do direito digital: o de compreender como se dão estas novas condutas sociais e corporativas, bem como identificar as implicações dos fatos jurídicos gerados.
Um acidente doméstico causado pela falha na automação de equipamentos, o erro de uma máquina durante uma cirurgia feita à distância com auxílio de robôs, o uso indevido de um aplicativo, uma injúria disseminada nas redes sociais, o vazamento de imagens, a eventual jornada extraturno realizada pelo uso do smartphone… o direito digital é o segmento do direito diretamente envolvido em situações como estas e, por isso, se faz cada vez mais acionado.
Um exemplo que acompanharemos com maior frequência nos próximos meses é o das fake news, notícias falsas que se espalham por meios de comunicação e redes sociais, e que tiveram papel importante em 2016, tanto nas eleições norte-americanas, como no referendo em que o Reino Unido decidiu sair da União Europeia. O “fenômeno” (ou seria o ilícito?) das notícias falsas mobilizou e vem mobilizando judiciário, grandes provedores, veículos de imprensa e empresas de tecnologia para encontrar maneiras de combater a disseminação desses conteúdos.
Fato é que a sociedade, graças ao avanço da tecnologia, empoderou-se em comparação aos tradicionais veículos de comunicação, tornando-se muito mais expansiva. Há vinte anos, tínhamos uma relação de consumo unilateral dos conteúdos publicados na web.
Diante do franco crescimento das demandas desta natureza nos tribunais, a sociedade dá demonstração de que ainda não atingiu a plena maturidade quanto ao uso das novas tecnologias.
Vieram então as plataformas de compartilhamento de conteúdo, redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, impulsionando a interação social, mas também oportunizando a ascendência de um lado obscuro do comportamento humano, envolvendo questões como cyberbullying, injúria racial, difamação e xenofobia, entre várias outras manifestações de intolerância. De fato, diante do franco crescimento das demandas desta natureza nos tribunais, a sociedade dá demonstração de que ainda não atingiu a plena maturidade quanto ao uso das novas tecnologias.
No âmbito corporativo, o direito digital também se faz cada vez mais presente. Nas relações entre empresas e governo, este migrou significativamente a função fiscalizatória para as próprias corporações, impondo o uso de recursos tecnológicos que oportunizam e auto alimentação dos sistemas estatais, a exemplo do sistema público de escrituração digital (SPED) e do ponto eletrônico. Já a relação empresa-colaborador também vem sofrendo forte modificação, decorrente da modernização das próprias atividades desempenhadas e dos recursos tecnológicos disponíveis.
Atualmente, não é raro um colaborador chegar à empresa com um aparelho de uso pessoal contendo mais recursos do que o próprio equipamento no qual irá executar o seu trabalho. Conceitos como teletrabalho e BYOD (“Bring Your Own Device” ou “Traga Seu Próprio Dispositivo”) estão cada vez mais presentes nas corporações. Em paralelo, as empresas estão se deparando com o desafio da conservação do sigilo de suas informações e de seus segredos de negócio, uma vez que os dados no formato digital são mais suscetíveis à evasão, quando não adotados critérios rigorosos de segurança e políticas de compliance.
Diante do cada vez mais acelerado ritmo de inovação da tecnologia, cumpre a nós, profissionais do Direito, a constante atualização e aprimoramento, não somente acerca dos novos regramentos que surgem paulatinamente, mas sobretudo quanto à forma como a sociedade se comporta diante dos novos recursos disponíveis, bem como sobre os consequentes fatos jurídicos gerados.
* Marlon Volpi é sócio fundador da Volpi Advogados