Com o impulso da sócia Cargill, líder mundial em grãos e nutrição animal, empresa catarinense que atua no mercado de suinocultura lança nos próximos meses plataforma de gestão para a produção animal. / Foto: Divulgação Agriness
Reportagem: Fabrício Rodrigues – scinova@scinova.com.br
No intervalo de duas décadas, um grupo de empreendedores catarinenses transformou o projeto de um software de gestão para granjas suínas em uma empresa que – ao desenvolver uma metodologia para aumento de produtividade – hoje domina 90% do mercado de suinocultura nacional e está preparando a expansão para o mercado global. O mais recente projeto da Agriness, uma plataforma de gestão para o mercado animal, seria mera pretensão se não estivesse ancorado pela Cargill, líder mundial em comércio de grãos e nutrição animal, que se tornou em setembro passado sócia minoritária da empresa catarinense.
Há algumas semanas, a Agriness inaugurou em sua sede, em Florianópolis, a Innovation Factory, não um laboratório mas uma “fábrica de inovação“, responsável pelo desenvolvimento das novas plataformas de gestão que, além da suinocultura, também serão destinadas à avicultura e bovinocultura de leite. “Nós somos o braço de inovação global da Cargill na área de produção animal”, resume Everton Gubert, CEO e fundador da Agriness.
E estas inovações não devem demorar para chegar ao mercado. Segundo Everton, as plataformas completas para a gestão de produção de aves e leite devem estar prontas até o final do primeiro semestre. “Sempre entendemos que um produto não pode demorar mais do que um ano para ficar pronto. Temos uma metodologia de inovação e prototipação e em geral nossos projetos costumam ser desenvolvidos de três a seis meses. Uma coisa que temos muito forte aqui é uma capacidade impressionante para fazer as coisas, e isso foi algo que chamou muito a atenção da Cargill”, comenta Everton.
A empresa já estava se preparando há cerca de dois anos para abrir o capital a um sócio de grande porte. Desde 2016 os sócios Everton, Elton Gubert, Cristina Bittencourt e Junior Salvador decidiram que o passo seguinte da empresa seria migrar a plataforma de suinocultura para uma arquitetura em nuvem e começar a desenvolver um sistema semelhante para outras culturas, como aves e bovinos de leite.
“Era uma ideia muito ousada, não existe nada do mundo assim porque são mercados e culturas completamente diferentes. O avicultor não frequenta os mesmos eventos que o suinocultor e vice-versa”, explica o CEO. Ao longo de 2017, a Agriness começou a buscar parcerias e possíveis investidores nas cadeias em que não eram experts: “em algum momento precisaríamos de ajuda, pois sozinhos não teríamos fôlego para tocar um projeto desses”.
Já haviam algumas propostas de grandes empresas na mesa dos sócios da Agriness quando surgiu o contato da Cargill, por meio da divisão brasileira, que já tinha conhecimento do projeto dos catarinenses. A primeira reunião, virtual, foi em janeiro de 2018 e poucos meses depois Everton e Elton foram convidados para uma encontro presencial, na sede da empresa, em Minneappolis (EUA).
Além do porte da empresa – uma líder mundial em seu setor com presença em 70 países, mais de 150 mil funcionários e um faturamento de US$ 113 bilhões, praticamente o dobro do PIB de Santa Catarina – o que mais chamou a atenção no encontro foi a “afinidade cultural”, lembra Everton: “é uma empresa de 150 anos que mantém o mesmo propósito até hoje, uma simplicidade incrível, um cuidado em manter a cultura do fundador… esse fit foi fundamental para a nossa parceria. Perto das outras propostas esta teve sem dúvida, o melhor conjunto da obra”.
Em setembro, o casamento foi consumado, com a Cargill como sócia minoritária. “Nós continuamos no controle porque é justamente isso que eles buscam, a nossa forma de desenvolvimento com agilidade”, comenta o CEO. A parceria também fará a equipe crescer: atualmente são 60 colaboradores e a expectativa é contar com 80 ao longo de 2019.
Antes mesmo da entrada da nova sócia, a Agriness já tinha um pé no mercado internacional, com clientes na Argentina (onde domina mais de 50% do mercado), Paraguai, Uruguai, Colômbia e Peru, por exemplo. “Hoje 15% do nosso faturamento está no mercado externo. A partir da chegada da Cargill acredito que em até uns cinco anos podemos inverter essa conta, com o mercado nacional representando 15% dos nossos negócios”, estima Everton. Por meio da tecnologia desenvolvida pela Agriness, são monitoradas mais de 2 milhões de matrizes (fêmeas) suínas na América do Sul, das quais 1,65 milhão no Brasil (90% do mercado) e 350 mil em outros países.
Um dos primeiros mercados a serem explorados com a chegada do novo sócio foi o México, que será a entrada para o restante da América do Norte. Há algumas semanas, a empresa começou a negociação com os produtores na Ásia: primeiro no Vietnã e em breve na Coréia do Sul e Malásia. “Apesar da dificuldade da língua, a produção de suínos por exemplo é semelhante em qualquer lugar do mundo, o que facilita a nossa entrada”, resume o fundador.
A ORIGEM: 80 DIAS DORMINDO EM UMA GRANJA
“Nós temos um propósito claro aqui, que é impulsionar a prosperidade no campo. Mas impulsionar mesmo, do gerenciamento da propriedade ao aumento de produção”, enfatiza Everton, cujos pais foram agricultores no Rio Grande do Sul antes de se mudarem para Xanxerê, no oeste de Santa Catarina. Em 1999, recém formado em Ciências da Computação mas sem emprego, ele começou a pensar em desenvolver um programa de computador para auxiliar na gestão das granjas suínas.
Como ele mesmo conta: “eu conhecia um produtor que tinha uma granja com mais de 6 mil animais e controlava tudo no caderninho, um fichário. Ele me levou a uma outra granja, no município de Seara, onde eles utilizavam um programa, bem rudimentar, em DOS. Então eu fui entender o que era preciso para criar um software mais moderno, dentro do que os produtores precisavam e visitei várias propriedades entre Xanxerê e Seara, estudei a fundo a suinocultura. De agosto a dezembro, desenvolvi um protótipo e fui validar”.
Mas a validação teria que ser no meio da produção, para entender o dia a dia da granja, o comportamento dos animais e detalhes que só quem está na linha de frente poderia saber. “Fiquei 80 dias na granja. Não tinha cama, dormia no escritório”. A primeira grande parceria surgiu ainda no início de 2000, quando o coordenador de negócios da Nutron, uma fábrica de nutrição animal com sede em Campinas – e que também seria adquirida anos depois pela Cargill – se interessou pelo projeto e convidou Everton para conhecer as melhores granjas do país e testar o software em outros mercados, um trabalho que levou mais de um ano e que serviu como base para a criação da Agriness, em 2001, já com os sócios Elton e Cristina.
Além do software, a Agriness se estabeleceu desde então no mercado criando uma comunidade e diversos produtos para disseminar a cultura da gestão e da produtividade: em 2015, registrou em um livro os detalhes da metodologia e os conceitos de “Máximo Potencial Produtivo” (MPP) que levou aos produtores; há onze anos desenvolve a premiação “Melhores da Suinocultura“, que reconhece as granjas com melhores índices de produtividade, no Brasil e atualmente também na Argentina, além de outros cinco países latinos; e a cada dois anos, reúne centenas de produtores no INFO360, evento de capacitação e relacionamento.
“Aquele começo, dormindo lá na granja, foi a base de nossa cultura, tudo começou ali. Não interessa as condições que tu tem, tem que ‘dar teus pulos’, é o que a gente sempre fala aqui. Nunca vamos ter as condições ideais, mas não é por isso que vamos deixar de fazer alguma coisa”, lembra Everton.