A trajetória que levou a Decora, de Florianópolis, a ser a maior produtora global de imagens em 3D

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A trajetória que levou a Decora, de Florianópolis, a ser a maior produtora global de imagens em 3D

Mesmo após a venda por US$ 100 milhões para a holding Creative Drive, os sócios se mantém na operação desenvolvendo novos produtos e esperam crescer 200% em 2018

Mesmo após a venda por US$ 100 milhões para a holding Creative Drive, os sócios se mantém na operação desenvolvendo novos produtos e esperam crescer 200% em 2018

Foto: Blog Decora/Divulgação

A trajetória da Decora provavelmente não ilustraria nenhum manual de como criar uma startup. É o que pensa Gustavo do Valle, que fundou a empresa aos 19 anos junto com o sócio Paulo Orione, em uma área na qual ambos não tinham conhecimento nem experiência: arquitetura e decoração. Em 2012, quando estavam na quarta fase do curso de Administração na Esag/Udesc, em Florianópolis, desenvolveram uma plataforma para conectar arquitetos a clientes interessados em projetos de decoração. Uma ideia que não vingou comercialmente (assim como algumas outras que viriam nos anos seguintes), mas que daria início a um outro modelo de negócio, que tornou a empresa dos jovens sócios na maior produtora de imagens geradas por computador (CGI) do mundo, especializada na criação de ambientes 3D para decoração.

Essa trajetória resultou, em março de 2018, em uma das maiores aquisições do cenário brasileiro de startups, quando a Decora foi adquirida pela nova-iorquina Creative Drive por cerca de US$ 100 milhões – um valor que pode ser até maior, dependendo da taxa de crescimento da empresa nos próximos anos. Para 2018, a Decora, que fatura em média US$ 1 milhão por mês, espera crescer 200% em comparação com o ano passado.

“Nossa história desafia o senso comum das startups. Éramos muito jovens e sem experiência na área, nosso cap table (composição dos sócios) no começo foi bem confuso. Além disso, nem eu nem o Paulo programávamos e ficamos os primeiros quatro anos sem buscar nenhum tipo de investimento”, contou Gustavo durante um papo organizado pelo Startup Grind Florianópolis – uma comunidade global que organiza eventos dedicados à disseminação do empreendedorismo – em Florianópolis, no último dia 17 de maio.

O sucesso da Decora surpreendeu até mesmo a comunidade empreendedora de Florianópolis, que mal conhecia o trabalho dos jovens sócios: “sempre fomos muito low-profile, não gostávamos de aparecer. Éramos muito criticados por isso, mas era nosso estilo”. Em 2015, a empresa entrou pra valer no mercado dos Estados Unidos e começou a expandir freneticamente desde então. Em março do ano passado, eram 20 funcionários. Cinco meses depois, passou dos 130. Deste total, 60% atuam na criação e outros 40% são profissionais de tecnologia.

Os primeiros passos empreendedores dos sócios Gustavo do Valle e Paulo Orione: várias guinadas até descobrir uma dor dos varejistas, a produção em escala de fotos para ambientação de produtos. / Foto: Divulgação blog Decora

Além dos colaboradores fixos na sede em Florianópolis, a Decora conta com uma rede internacional de mais de 4000 designers e arquitetos – na Índia, Rússia e Argentina, especialmente – que ajuda a desenvolver os ambientes em 3D, utilizando um software desenvolvido por eles mesmos que permitiu a produção de imagens computadorizadas (e em alta resolução) em uma escala até então inimaginável: por dia, a equipe da Decora chega a produzir mil imagens de ambientes em 3D. “Antes disso”, compara Gustavo, “um varejista como o Wal-mart levava mais  de um ano para produzir fotos de 800 itens, por exemplo. E a um custo infinitamente maior”. O que, em uma campanha publicitária tradicional, custaria US$ 10 mil, por meio da tecnologia 3D da empresa, é possível fazer por US$ 300.

Em busca de mercados “virgens” em inovação

“Quando eu e o Paulo começamos, a ideia era buscar um mercado que estava em crescimento mas que não tinha inovação. Pesquisamos várias áreas e notamos que o setor de arquitetura e decoração, que vinha em expansão naquela época, seria o ideal. Queríamos testar e, se fosse pra falir, que fosse rápido”, lembra. Assim surgiu a plataforma em que arquitetos poderiam oferecer projetos  de decoração online. A iniciativa foi bem-sucedida, diz Gustavo, mas não se sustentava economicamente. Com mais de 3 mil profissionais na base, ajudou a levar projetos tanto para favelas quanto para apartamentos de luxo, mas o faturamento mensal médio não passava dos R$ 6 mil.

A primeira guinada – ou pivô, como se diz no ambiente das startups – foi quando eles deixaram o mercado de consumidores (B2C) para oferecer o potencial da plataforma para grandes varejistas (B2B). “Os arquitetos colocavam muitos produtos de varejistas nos projetos. Aí pensamos em vender direto para eles: quem compra um sofá na loja online ganha um projeto de decoração. Assim poderíamos ganhar tráfego na plataforma”, recorda Gustavo. Uma ótima ideia, em princípio, que foi comprada por empresas como Magazine Luiza e a catarinense Cassol. Mas que, novamente, não vingou. “As ofertas foram ao ar, mas nada aconteceu. Vieram poucos projetos e pra gente foi um grande baque”.

Ainda que o faturamento foi pequeno para manter uma equipe de seis pessoas, eles estavam dentro de grandes varejistas e começaram a estudar outras maneiras de resolver um problema real do mercado. Até que entenderam que o grande negócio não seria vender projeto de decoração mas sim a ambientação de produtos. Explica o fundador: “nos projetos, os arquitetos criavam imagens muito bonitas com os produtos e os varejistas queriam comprar essas imagens para colocar no site. A dificuldade deles era justamente tirar boas fotos, um processo caro e nada escalável”. Em um dos primeiros contratos, o cliente pediu 500 imagens por mês, o que exigiu a criação de um software que, a partir de uma foto simples do produto, permitia a reprodução dele em 3D, pronta para ser aplicada de qualquer maneira em um material promocional.

Os cinco sócios da Decora, em 2018: (da esq. para a dir.) Rafael Assunção, Rodrigo Griesi, Gustavo do Valle, Daniel Smolenaar e Paulo Orione. Foto: Divulgação

Era o começo de 2015 quando a Decora descobriu a fórmula para a sua Coca-Cola. Aí a crise batia no Brasil e forçava a redução de orçamentos de marketing nas grandes empresas, o que estimulou a ida ao mercado norte-americano. “Não esperamos crescer no Brasil. Um dos nossos sócios, que entrou depois no negócio, foi morar em Miami e participamos de um programa do Sebrae, o Exporta SC. Fechamos com um grande cliente e reservamos uma grana para investir em feiras lá nos EUA durante quatro meses. Deu certo e no final daquele ano já estávamos capitalizados para crescer no mercado americano sem precisar de investidor”. Hoje, mais de 90% do faturamento da empresa vem de contratos dos Estados Unidos.

Mas foram os investidores que começaram a bater na porta dos catarinenses nos anos seguintes, entre eles o Pinterest. As conversas começaram a avançar quando um executivo do fundo de investimentos ligado à Creative Drive – uma holding que comanda mais de 150 estúdios de criação de conteúdo para marcas como Nike e Victoria’s Secret, entre inúmeras outras – convidou a equipe do Decora para uma visita à sede, em Nova Iorque. A primeira oferta, que representava cerca de 10% do valor final acordado, foi rapidamente descartada.

Enquanto as tratativas se arrastavam pelos meses seguintes, a Decora seguia crescendo em solo americano – ganhando inclusive alguns ex-clientes da Creative Drive. Como comenta Gustavo, “isso ajudou a mudar a perspectiva da negociação”. Ao longo dos anos, outros três sócios se juntaram a Gustavo e Paulo: Daniel Smolenaars, Rodrigo Griesi (que morava nos EUA) e Rafael Assunção, um experiente mentor de startups e investidor-anjo que, após a compra, deixou o cargo de CEO em outra empresa de tecnologia, a ValueNet, para se dedicar à Decora.  

“Hoje somos o maior player de imagens em 3D, mas a tecnologia muda muito rápido. Pode ser que em breve surja alguém fazendo melhor e mais rápido que a gente”. Gustavo do Valle, cofundador da Decora.

O que motivou a venda para a Creative Drive – além dos valores envolvidos, é claro – foi uma sinergia entre os mercados das duas empresas. “Nós sempre quisemos entrar na área de moda e beleza, em que eles são fortes. Além disso, nos ofereceram total autonomia para continuar desenvolvendo as soluções. Não queríamos entregar tudo e ir embora”, explica Gustavo, lembrando que os cinco sócios também receberam uma participação acionária na Creative Drive.

Assim como eles mudaram o jogo completamente em meia década, os empreendedores sabem que um novo player pode aparecer nos próximos anos e bagunçar o mercado em que eles começam a dominar. “Hoje somos o maior player de imagens em 3D, mas a tecnologia muda muito rápido. Pode ser que daqui a um ou dois anos a Decora nem exista mais, ou que surja alguém fazendo melhor e mais rápido que a gente. Enquanto isso, estamos muito focados em melhorar nossas margens e desenvolver novos produtos para que os cheques continuem chegando”, reflete.

Reportagem: Fabrício Rodrigues, scinova@scinova.com.br

 

Pra quem ficou curioso com o trabalho da Decora, confira abaixo algumas das imagens produzidas pela empresa catarinense (e agora global):