Como e por que atrair a classe criativa às cidades

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Como e por que atrair a classe criativa às cidades

As cidades enfrentam continuamente a necessidade de se reinventar para responder às necessidades estruturais e às mudanças no contexto econômico. O conhecimento é um fator crucial para assegurar o crescimento sustentável de uma região

por Ágatha Depiné*

As cidades enfrentam continuamente a necessidade de se reinventar para responder às necessidades estruturais e às mudanças no contexto econômico. O conhecimento é um fator crucial para assegurar o crescimento sustentável de uma região, apresentando-se como um insumo que pode ser compartilhado, reutilizado e acumulado de forma ilimitada. Desse modo, uma vantagem competitiva para as cidades é atrair e reter talentos que produzam conhecimento e inovação por meio de sua criatividade, aspectos essenciais na economia contemporânea.

Assim, explorar as questões que determinam a distribuição geográfica do talento tornou-se inevitável nas duas últimas décadas, tendo sido pioneiro nessa área o pesquisador americano Richard Florida, autor da teoria da classe criativa. A classe criativa é formada por pessoas que agregam valor econômico por meio de sua criatividade. Enquanto a medida convencional do capital humano é baseada em níveis de escolaridade ou grau de formação, a teoria da classe criativa utiliza medidas baseadas em ocupações e habilidades efetivas dos indivíduos.

A classe criativa é composta por dois grupos de trabalhadores: um que compõe o núcleo hipercriativo e outro formado por um círculo mais amplo de talentos ou profissionais criativos. O primeiro grupo é representado por pessoas que trabalham em atividades essencialmente criativas, geralmente no campo científico ou na área de computação, matemática, arquitetura, engenharia, educação, artes, design, entretenimento e mídia. Essas pessoas são diretamente responsáveis pela geração de novos conteúdos, formas, projetos e produtos.

Uma vantagem competitiva para as cidades é atrair e reter talentos que produzam conhecimento e inovação por meio de sua criatividade, aspectos essenciais na economia contemporânea.

O segundo grupo é representado por profissionais criativos que se dedicam a resolver problemas específicos ou complexos que exigem formação de alto nível. São profissionais que atuam em indústrias intensivas em conhecimento ou em finanças, saúde, gestão e direito, por exemplo. Eles podem criar e propor novos produtos ou métodos, mas essa não é uma atividade inerente à sua função.

A mobilidade geográfica da classe criativa e a escolha de seu lugar 

Os integrantes da classe criativa são altamente móveis e por isso as cidades têm de se concentrar em desenvolver um clima para atrair e reter esse profissionais. Atrair os membros da classe criativa às regiões tem impacto na inovação e no desenvolvimento e atração de novos negócios. Sua mobilidade está ligada à busca por novas experiências, poucos vínculos afetivos e maior poder na escolha de moradia e trabalho devido à renda e qualificação mais altas. A lista abaixo sintetiza os principais fatores valorizados pela classe criativa na escolha de um lugar para viver e trabalhar:

Mercado de trabalho amplo, que seja condizente com o plano de carreira horizontal, pois os profissionais tendem a ficar pouco tempo no mesmo emprego;

Estilo de vida: devido ao horário de trabalho flexível e imprevisível, é importante o acesso imediato ao lazer: cena musical, artística, tecnológica, esportiva e vida noturna;

Interação social: espaço para interação em que possam preencher a lacuna de contato com outras pessoas, considerando sua propensão a viver sozinhos, postergar a formação de uma família e mudar de emprego com frequência;

Diversidade: característica cosmopolita, onde qualquer indivíduo possa encontrar grupos de pessoas afins com quem se sinta à vontade, bem como grupos diferentes que lhe sirvam de estímulo;

Autenticidade: proporcionar experiências singulares e originais, apresentando-se por meio de suas construções históricas, bairros de renome, figuras excêntricas e atributos culturais;

Identidade: o lugar transmite um status e por isso as pessoas querem se envolver na comunidade em que vivem e contribuir para que este reflita e legitime a sua própria identidade;

Qualidade do lugar: características que definem um lugar e o tornam atraente à classe criativa: o que está lá (combinação entre ambiente construído e ambiente natural); quem está lá (diversidade de pessoas e interação); o que está acontecendo (vitalidade das ruas, cultura dos cafés e artes, participação de atividades ao ar livre e empreendimentos criativos).

Quando uma cidade toma o potencial e capital humano disponível e cria um ecossistema de inovação com uma dinâmica saudável de criação de empregos e novas formas de participação ou governança, ela se torna uma cidade criativa.

O modelo convencional de desenvolvimento econômico se concentra na atração de empresas e investimentos, com políticas de abatimentos fiscais, terrenos, mínimo de regulamentação, entre outros. Já o modelo de desenvolvimento econômico de cidades criativas, onde o ingrediente chave para o desempenho econômico é a inovação, se concentra na atração de talentos criativos e utiliza políticas de aumento da qualidade do lugar e amenidades como artes e cultura.

Pesquisas têm demonstrado o forte impacto econômico da classe criativa no desenvolvimento urbano em diversos países e continentes, o que por si só demonstra a importância de atraí-la, mas elas também destacam o modo como a atuação dessa classe têm impacto nas mais diversas esferas da vida em sociedade. Quando uma cidade toma todo o potencial e capital humano disponível a seu favor e cria um ecossistema de inovação com uma dinâmica saudável de criação de empregos e novas formas de participação ou governança, ela então se torna uma cidade criativa.

* Ágatha Depiné é Doutoranda e Mestra em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC


** Versão editada do artigo originalmente publicado no portal
VIA Estação Conhecimento